Créditos da imagem: Reprodução / Gazeta do Povo
Vamos à segunda parte do artigo que trata das mudanças que estão em curso no futebol brasileiro. No primeiro, falamos sobre o maior incentivo à Copa do Brasil, que é uma competição em formato mata-mata, que traz a emoção que a TV exige, e por isso teve seu valor aumentado neste ano. Vamos guardar este assunto e trazê-lo de volta na terceira parte.
Agora é hora de falar sobre o segundo pilar do tripé que deve nortear a estrutura do futebol brasileiro em breve, e que, na verdade, é o grande campeonato do país. Trataremos agora do Brasileirão.
Com a implosão do Clube dos 13, em 2011, os clubes passaram a negociar seus contratos de direito de transmissão de jogos individualmente com o veículo interessado. Por conta da Lei Pelé, o direito de transmissão dos jogos pertence aos dois clubes que disputam a partida. Por conta disso, os clubes naturalmente emigraram para contratos com uma única rede de TV, que oferecia um pacote completo com TV Aberta, TV Fechada, Pay-Per-View, Placas de Publicidade dos estádios e Direitos Internacionais. Todos assinaram com a Globo contratos que se iniciaram em 2012 e foram sendo aditados até 2018.
Os valores tratados individualmente continham diferenças bastante significativas, de forma que Flamengo e Corinthians recebiam valores maiores que os demais e, a partir daí, havia diferenças que de certa forma criava grupos de clubes por valor. Todo mundo convivia bem com isso, porque a cada renovação surgiam valores recebidos como luvas, e porque havia uma fórmula de divisão da cota de Pay-Per-View que fazia com que o Atlético Mineiro, por exemplo, recebesse mais que o São Paulo. Tudo porque não há um sistema confiável de registro das informações sobre quem assina o pacote, e então a forma de distribuição escolhida foi a divisão por uma pesquisa de torcidas feita nas nove maiores capitais do país.
Para o período entre 2019 e 2022 há uma mudança significativa. Primeiro porque para a TV Fechada houve uma concorrência entre Globo e Turner, que levou alguns clubes a assinarem com o canal americano, gerando a primeira separação de clubes, e que pode inviabilizar a transmissão de vários jogos, porque o direito tem que ser dos dois clubes.
A segunda grande mudança é que a Globo deixa de comercializar as placas de publicidade dos estádios e os direitos internacionais. As placas foram vendidas coletivamente, exceto por Flamengo e Corinthians que negociaram individualmente. E os direitos internacionais foram negociados coletivamente.
Na questão dos valores de TV a mudança foi de comum acordo entre os clubes e a Globo. A partir de agora, os valores serão tratados de forma coletiva, e divididos conforme alguns critérios. Resumindo o tema:
- Serão R$ 1,1 bi referentes à TV Aberta e TV Fechada, e que serão distribuídos considerando três critérios: (i) 40% de forma igualitária entre os 20 clubes da Série A; (ii) 30% de acordo com os jogos transmitidos; (iii) 30% ao final do campeonato em função do desempenho, de forma que recebam algo os clubes que pontuarem até a 16ª posição.
- Serão R$ 650 milhões pelo Pay-Per-View. Estes valores serão pagos de maneira diferente, considerando uma pesquisa de torcidas de cobertura nacional no lugar daquela em 9 capitais. Logo, a tendência é que haja mudança substancial de valores recebidos por vários clubes. Na tabela abaixo temos uma ideia de como é e como será.
Mas o pulo do gato vem agora. Os valores que até 2018 eram pagos majoritariamente entre fevereiro e dezembro, agora serão pagos da seguinte forma:
- TV Aberta e Fechada
– Parcela igualitária: 75% no 1º semestre e 25% no 2º semestre
– Parcela por audiência: entre maio e dezembro
– Parcela por Desempenho: em dezembro - PPV
– Pagamento entre maio e dezembro, período no qual há partidas.
Ora, fica claro que além de valores que podem ser inferiores aos recebidos até 2018, haverá também um deslocamento no tempo do recebimento. Isto traz algumas complicações, como fluxo de caixa menor no 1º semestre e imprevisibilidade de receita, por conta das parcelas de audiência e desempenho.
No exemplo acima temos a diferença de fluxo de caixa entre o modelo atual e o que vigorará a partir de 2019. Com exceção de maio e junho, em todos os demais meses os valores recebidos serão menores, e em dezembro é feita a correção, menos para quem cair para a Série B, que não receberá valores por desempenho.
E o que isso tem a ver com a mudança no futebol brasileiro?
Veja, com o Brasileiro começando praticamente em maio, os clubes recebem pelo campeonato apenas enquanto o disputam. No início do ano recebem pelos Estaduais. Para alguns os valores são bons, como os quatro grandes de São Paulo, que recebem cerca de R$ 17 milhões pelo torneio. Mas para a maioria não chega a ser tanto assim.
Além disso, a venda de Pay-Per-View só ocorre de forma mais significativa no Brasileiro, e portanto a Globo tem alguns meses com receitas baixas, que é o período do estadual. Num campeonato mais longo, entre fevereiro e novembro, a TV pode vender pacotes por 10 meses, contra os 7 atuais. Faz diferença. E para os clubes fará diferença, pois num campeonato mais longo e sem os estaduais, será possível negociar aumento de cotas no Brasileiro. Não parece por acaso que o principal estadual do país tenha contrato até 2021, de forma que a renovação seria para o ano de 2022, último do atual contrato do Brasileiro. Sem precisar de uma lupa tão potente, fica claro que nas entrelinhas estará na mesa uma grande renegociação já para 2022 que, aí sim, incluiria o fim dos Estaduais como os conhecemos hoje, e a priorização do Brasileiro como campeonato longo e mais importante do país, jogado nos finais de semana.
Isto leva a uma outra possibilidade, que é necessária: valorizar o Campeonato no lugar de valorizar a Copa. Hoje, com o encavalamento de jogos, muitos clubes optam por colocar força máxima na Copa do Brasil, na busca pela vaga na Libertadores e pelo prêmio robusto ao campeão, abandonando o Campeonato Brasileiro. Com o calendário mais espaçado, não será necessário fazer isso. Inclusive porque priorizar pode significa a chance de receber os R$ 50 milhões pelo título da Copa do Brasil, mas cair na semifinal e ainda ver alguns milhões escorrerem das mãos com uma classificação ruim no Brasileiro. Lembre-se que 60% vão para audiência e desempenho, e essas coisas andam juntas. Largar o Brasileiro hoje pode ser financeiramente ruim.
Além disso, para a TV que paga pelo espetáculo, quando o clube o coloca em segundo plano tira o interesse de seu torcedor, reduz venda de Pay-Per-View e dificulta negociação de cotas de publicidade para o ano seguinte. No final, é ruim também para os clubes.
Como estamos até aqui?
Bem, vimos que ter um Brasileiro no ano todo faz sentido para todos os envolvidos, e vimos que ter a Copa do Brasil fortalecida é uma maneira de aumentar o interesse da TV. E que ambos juntos montam um calendário interessante, com partidas importantes aos fins de semana e no meio de semana. Basta colocar Libertadores ao lado de Copa do Brasil e temos o menu completo de por que a Globo se interessa por um calendário mais organizado. Deveria, inclusive, ser o interesse de todos os envolvidos, começando pelos clubes.
Mas isto será tema para o próximo artigo, o terceiro e último, falando sobre o momento, o que impede as mudanças e como imaginamos um mundo ideal para o futebol brasileiro quando falamos em calendário.
Anexo – Acompanhe aqui como ficará a situação de cada clube com o novo contrato de TV:
Muito bom o artigo! No aguardo pra ler a última parte!
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