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O título da coluna de hoje é uma resposta à pergunta-clichê “será que a base desse time não tem ninguém melhor que fulano?”. O fulano geralmente é uma contratação tosca. O suposto bom senso recomenda dizer que a base deve ter formado alguém ao menos similar. Esse, porém, é o problema do “bom senso” – muitas vezes, um achômetro qualificado pela quantidade de adesões. Quando se decide analisar além da aparência, o senso comum pode se mostrar apenas uma opinião bem intencionada, mas que não resiste a maiores debates. É o caso da fantasia do atleta de base Tabajara, que entra e faz seus problemas acabarem. Quase invariavelmente, não faz.
O erro primordial é achar que se compara um atleta de futebol a outro atleta de futebol. Nada disso. É um atleta contra um aspirante a atleta. Alguém que atua no ritmo e nas distâncias percorridas dos jogos entre ele e outros aspirantes. Alguém para o qual quase quarenta partidas anuais é um número inapropriado. Poucos, muito poucos, conseguem fazer a transição para atletas profissionais. Alguns por serem mal trabalhados ou trabalharem mal. Mas muitos outros simplesmente porque não possuem potencial para atingir o padrão exigido, num dos esportes mais exigentes com o físico humano. Sempre comento que os senhores mais idosos de Bauru devem lembrar de garotos com tanto ou mais talento que Pelé. Entretanto, nem talento é tudo. Vide os tantos fenômenos de Youtube, entre os quais só Neymar vingou. Um “só” fantástico. Só que, ainda assim, um só.
Neste contexto, aquele tosco do seu time pode ser grosso de bola, mas conseguiu passar pela transição. Aguenta até mais de setenta partidas em ritmo profissional. É importante destacar este ponto, porque temos diversos casos em que jogadores da base começam muito bem, mas não conseguem suportar a carga de partidas e despencam a seguir. Uns continuarão trabalhando até conseguirem, como Everton Cebolinha. A maioria, porém, não terá sucesso. Não por boicote – como insuportavelmente se fala em busca de curtidas nas redes sociais. Nem todo corpo humano tem condições de atingir a potência muscular e outros predicados indispensáveis a um boleiro remunerado. Sem tais requisitos, o sujeito pode jogar muito e nem por isso se encontrar apto a fazê-lo num clube profissional de centro relevante. Talvez numa divisão inferior ou num país de patamar muito baixo. Nada além.
No fim de 2018, debati o tema com Cesar Grafietti no Whatsapp dos colunistas. Ele não se conforma com a proporção entre gastos e número de profissionalizados. Analisamos o cenário mundial e vimos que esta é a realidade corrente, inclusive em clubes celebrizados por aproveitamento da base. Mesmo com o Barcelona, que chegou a ter, em campo, onze jogadores formados nas “canteras”. O tempo mostrou ter sido um momento excepcional, fruto de uma geração muito acima da média. Tanto que, depois daquela geração de Xavi & CIA, só um novo titular veio da base blaugrana – o lateral Sergi Roberto. Por mais que se otimize e se invista, a tendência é o afunilamento profundo. Uns poucos fazem carreira no próprio clube, outros conseguem atuar em equipes menores (médias ou pequenas) e a grande maioria, pois sim, vai fazer outra coisa.
Portanto, é ilusório comprar a atraente, porém desavisada ideia de “ter um time inteiro formado em casa e só excepcionais vindos de fora”. Por outro lado, tendo em vista os valores investidos pelos clubes brasileiros, tampouco parece satisfatória a leva de jogadores que passam por toda a transição. Pior: não raro, vemos algumas forçadas de barra notórias para atingir as protocolares três revelações (?) por ano. Se estamos falando – e estamos mesmo – de um futebol doméstico de ritmo fraco e técnica nada animadora, é possível e desejável ter um pouco mais de atletas formados, além de um nível acima do usual nestas promoções. Comentei sobre isso na última coluna sobre o tema. A estrutura é tão cara quanto mal concebida. Há jogos demais, atletas demais e uma filtragem deficiente. Para corrigir estas falhas, minha sugestão básica seria a seguinte:
1 – os jovens na faixa de 16 anos seriam submetidos a exames minuciosos sobre o potencial atlético (em especial força, impulsão e velocidade) de cada um;
2 – com base nos resultados, seriam descartados todos os que não tivessem o pefil necessário para atuar em suas respectivas posições;
3 – no caso dos clubes grandes, ainda haveria o filtro complementar de manter apenas os de técnica acima da média, por uma questão econômica. Explico. Se um jogador medíocre surgir em clube grande, já começaria com um salário maior que tenderia a inflacionar futuramente o mercado. Em casa se deve buscar o possível craque – como se diz no Flamengo.
Com estas medidas, as categorias sub-17 e sub-20 ficariam naturalmente enxutas, trazendo outra vantagem: técnicos e demais preparadores poderiam dedicar mais tempo a cada individualidade. Como é improvável que se consiga tantos acima da média com potencial atlético, os clubes complementariam os elencos com outros nomes sem contrato, apenas com vínculo para as competições – também uma espécie de derradeira chance aos sucessos improváveis. Falando em competições, estas deveriam, como apontado na coluna anterior, ser reduzidas em número e duração. Vinte e cinco partidas por ano seria uma quantidade mais razoável, dando às categorias de base a oportunidade de treinar mais e entregar o garoto fisicamente pronto aos profissionais. Em termos populares, ficaria bem mais fácil aguentar o tranco contra os marmanjos.
Com todo este processo, penso que estariam ampliadas as chances de mais e melhores jovens se tornarem atletas de futebol. Nada que autorizasse devaneios estilo “Cotia 100 %”. Mas certamente superior aos números de hoje. Aí, quem sabe, o título da coluna poderia se transformar em “sim, pode ter!”.
Concordo totalmente! Todo o processo de formação é muito caro e cheio de investimento em trabalho e dinheiro para formar um atleta de qualidade seja visto quase como uma loteria ou encontrar pedras preciosas no garimpo.
Aliás, não tenho a menor ideia de como se calcularia isso, mas seria interessante ver os gastos com formação ao longo dos anos, a quantidade de partidas disputadas por atletas da base e o valor obtido com vendas desses atletas, em um período de, digamos, 10 anos, para ver o custo da base por partida disputada no profissional.