Créditos da imagem: globoesporte.com
“Qualquer um pode zangar-se, isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa, não é fácil”.
Sábias palavras ditas por ARISTÓTELES, em “Ética a Nicômano”.
Pego emprestada a frase de abertura do livro “Inteligência Emocional” (1995), do psicólogo norte americano Daniel Goleman, para refletir sobre o que acontece quando perdemos a cabeça em meio a um jogo importante.
Fora dos campos os resultados são igualmente desastrosos, mas nosso foco aqui são as quatro linhas. Não é uma tese, pois esse não é meu metiê, e para ilustrar recorro a alguns casos que considero emblemáticos para quem trabalha com o tema.
QI x Inteligência Emocional
Em seu artigo “Psicologia e Futebol: um estudo de caso”, publicado no site Psicologado.com, a autora Patrícia Ribeiro de Souza lembra que anteriormente acreditava-se que o sucesso de uma pessoa se dava pela sua inteligência cognitiva, o célebre QI, porém outros conceitos sobre a inteligência foram surgindo, e observou-se que fatores emocionais interferem de maneira considerável no ato de resolução de problemas, velocidade de percepção, habilidade em rememorar e capacidade de raciocínio. Desta forma, passou-se a estudar a inteligência associada às áreas afetivas, nascendo a denominada inteligência emocional.
Ela cita o jornalista e psicólogo Daniel Goleman (o cara lá de cima), que em seu livro “Inteligência Emocional”, conceitua o que é inteligência emocional.
Ele listou cinco áreas de habilidades a ela vinculadas, sendo que três tratam da inteligência intrapessoal (autoconhecimento emocional, controle emocional e automotivação) e as outras duas sobre inteligência interpessoal (reconhecimento de emoções em outras pessoas, habilidade em relacionamentos interpessoais).
De tal modo que inteligência emocional se caracteriza pela capacidade de uma pessoa reconhecer seus próprios sentimentos e os dos outros, assim como a capacidade de lidar com eles.
Transportando para o esporte, estas propriedades são condições imprescindíveis para se obter bons resultados, escreve Patrícia.
E mais: “em uma equipe de futebol, o técnico sustenta a posição de líder neste esporte. Um líder deve saber conter suas emoções, distingui-las e canalizá-las e, se preciso for, prosseguir mediante frustrações; domar seus impulsos e ter automotivação. Estes atributos fazem parte da inteligência emocional, os quais são indispensáveis para um líder que visa alcançar o objetivo almejado”.
Parece que alguns técnicos deveriam ler o autor, tamanho o destempero que demonstram em campo.
Mas sejamos razoáveis, eles não são os únicos a darem vexame, ao vivo e a cores. Sem falar que contam com o fator adrenalina como atenuante. Fora as cobranças de todos os lados. Não deve ser fácil.
A Psicologia
Psicólogo formado pela Universidade de Harvard, Daniel Goleman é “o cara” quando se fala no assunto. Durante doze anos, escreveu para o New York Times, sendo indicado duas vezes ao Prêmio Pulitzer. Dele, a Editora Objetiva publicou “Inteligência emocional”, “Trabalhando com a inteligência emocional”, “O cérebro e a inteligência emocional” e “Foco”. Mas vamos ao que diz Goleman.
Segundo o reconhecido autor, o conceito de inteligência emocional significa ser inteligente em relação a nossas emoções – ter autoconhecimento (reconhecer um sentimento assim que aparece), controle dos sentimentos depressivos para que não nos afetem e dos positivos para que nos mobilizem, consciência social (empatia) e facilidade de relacionamentos. Entendeu?
Tem mais: “o QI se refere a habilidades cognitivas, como a rapidez com que podemos dominar e entender novos conceitos. Os dois tipos de inteligência são importantes, mas nos afetam de modo diferente. O QI prevê qual carga de complexidade somos capazes de assumir: é preciso ter um QI de cerca de 110 ou mais para ser um físico ou um executivo bem-sucedido. Mas o QI falha ao prever quem será o profissional mais eficiente e bem-sucedido. É aí que o QE (quociente emocional) importa mais. É a inteligência emocional que vai determinar se esse físico ou executivo é capaz de cumprir tarefas difíceis ou lidar com chefes e subalternos. No entanto, infelizmente, o QE tem sido vendido por alguns consultores de negócios como algo que resolve tudo. Isso não é verdade. Ele não determina sozinho quem deve ser a melhor pessoa para um determinado trabalho, por exemplo. Para isso, é preciso considerar tanto a parte cognitiva quanto o perfil do QE da pessoa e avaliar que habilidades esse trabalho requer”.
E quando não conseguimos colocar isso em prática, quais são as consequências? Aleatoriamente escolhi estes exemplos de jogadores que já estão aposentados e que considero bem marcantes.
Cantona
Sem fazer julgamentos de mérito sobre o caráter de jogadores, um dos que nunca conteve suas explosões de raiva ao jogar ou ao dar entrevistas foi o talentoso Eric Cantona. O gigante francês de 1,88 de altura, que fez carreira no futebol inglês, distribuía voadoras e entradas duras dentro de campo até que em um dos episódios marcantes do futebol inglês atingiu propositalmente um torcedor.
Era janeiro de 1995, e depois de expulso durante o empate de 1 a 1 entre Crystal Palace e Manchester United, o atacante francês eleito o melhor jogador da história dos Red Devils, reagiu à provocação de um torcedor e correndo na direção das arquibancadas, deu uma voadora na incrédula vítima. Era a época dos temidos hooligans.
Cantona saía de campo depois de receber um cartão vermelho por falta e o torcedor teria gritado: “Volte para a França com a vagabunda da sua mãe, idiota”. Anos mais tarde, Cantona admitiu ter exagerado, mas não pediu desculpas. “Foi um erro, mas a vida é assim, e eu sou assim. Às vezes, para a gente (jogadores), é um sonho poder bater neste tipo de torcedor. Fiz para que se sentissem felizes”, afirmou Cantona em 2011, em entrevista à rádio BBC.
A Justiça foi dura com ele. Condenado a duas semanas na cadeia, além de 120 horas de serviços comunitários, o jogador também foi suspenso dos gramados por oito meses. Sem Cantona, o Manchester United perdeu a Premier League 1994/1995 na última rodada.
“Todo comportamento do ser humano está sobre a influência de um motivo, porém há uma inerente complexidade em detectar o que motivou certo comportamento em um indivíduo em certa ocasião. Estudos da motivação consideram três tipos de variáveis: o objeto que concebe a probabilidade de satisfação da necessidade; o ambiente que incita o organismo e que apresenta o objeto de satisfação; e as forças internas ao indivíduo como a necessidade, desejo, vontade, interesse, impulso, instinto”, argumenta Patrícia Ribeiro de Souza, em sua dissertação.
Zidane
Talvez o mais conhecido e recente exemplo de raiva incontida dentro de campo é o que envolve o meia francês Zinedine Zidane, expulso na final da Copa do Mundo da Alemanha, em 2006. Aos cinco minutos do segundo tempo da prorrogação, Marco Materazzi provocou (teria xingado a irmã dele) e Zidane “perde a cabeça” e atinge o peito do italiano. Na última partida de sua carreira, o craque francês foi expulso pela agressão ao zagueiro adversário, e a Itália acabou tetracampeã mundial na Alemanha.
Apesar da expulsão e do vice-campeonato, Zinedine Zidane ainda ganhou o prêmio Bola de Ouro, oferecido pela Fifa ao melhor jogador da Copa.
Maradona
Já vou avisando que sou fã de Maradona (bem como de Cantona), então esse é apenas mais um exemplo para compor o texto pois o repertório de acontecimentos dramáticos que envolvem El Pibe, é vasto. Mas Maradona decepcionou no mundial da Espanha 1982, quando foi expulso no jogo contra o Brasil.
Fora de campo, a Argentina enfrentava o final da Guerra das Malvinas, uma tenebrosa e fracassada aventura do moribundo regime militar, e o time não jogava bem. A tensão e o nervosismo dos jogadores eram visíveis.
Aos 37 do segundo tempo e com o placar em 3 a 0 para os brasileiros, Maradona se irrita com a superioridade dos adversários e chuta Batista nas chamadas partes íntimas e acaba expulso. O gol de honra de Ramón Díaz só viria aos 45 minutos do segundo tempo. Era tarde.
Emoções
Voltamos ao que diz o psicólogo Daniel Goleman lá do início do texto: “Em Ética a Nicômano, o filósofo Aristóteles discorre sobre virtude, caráter e uma vida justa. Seu desafio é controlar nossa vida emocional com inteligência. Nossas paixões, quando bem exercidas, têm sabedoria; orientam nosso pensamento, nossos valores, nossa sobrevivência. Mas podem facilmente cair em erro e o fazem com demasiada frequência. Como viu Aristóteles, o problema não está na emocionalidade, mas na adequação da emoção e sua manifestação. A questão é: como podemos levar inteligência às nossas emoções, civilidade às nossas ruas e envolvimento à nossa vida comunitária?”.
Alguém tem a receita?
Fontes Psicologado.com e Goal.com