Créditos da imagem: Alexandre Lops/Internacional
Ao tomar conhecimento da criação da área para torcida mista no Gre-Nal, fui dos que não deu tanta bola e pensou se tratar mais de uma medida politicamente correta e de visibilidade, sem maior efeito concreto.
Porém, ao ver o jogo (aliás, tenebroso, um convite à mudança de canal – como quase todos os jogos dos estaduais) e refletir melhor sobre os desdobramentos da medida, acho que ela pode mudar a maneira míope com a qual a nossa sociedade tem enxergado a relação entre as torcidas.
Com o crescimento dos conflitos entre torcedores organizados no futebol brasileiro, passamos a considerar que “torcedor é violento”. Imaginamos que cruzar um apaixonado do time adversário é um grande risco. Passamos a nos pautar pela imposição selvagem de uma ínfima minoria.
Vendo as cenas dos torcedores colorados e gremistas fazendo o “Caminho do Gol” (trajeto criado durante a Copa do Mundo que liga o centro de Porto Alegre ao Beira-Rio) em paz e sorridentes, percebi o estranhamento que aquilo provocou em mim. Imagino que tenha ocorrido o mesmo com a maior parte das pessoas que via milhares de torcedores dos grandes clubes de maior rivalidade do país se comportando “tão decentemente”, e a sensação deve ter sido ainda maior entre esses próprios torcedores.
Entendo que isso ajuda a escancarar que o problema da violência não é “das torcidas”, mas sim daquela história tão repetida de “marginais das torcidas organizadas”. Por mais que muita gente tenha essa consciência, no dia a dia acabamos esquecendo disso, pois as torcidas diferentes foram completamente apartadas, em todos os sentidos, seja no estádio ou no trajeto, chegando ao extremo da torcida única (que em última instância é a “suspensão do exercício de torcer por um clube” no dia do jogo, que passa a ser exclusivo do adversário), de modo que qualquer relação entre torcedores de equipes diferentes durante o evento se dava unicamente pelas organizadas. Fosse por brigas, pela logística de transporte, acompanhamento da PM, ou carga de ingressos para as torcidas visitante – basicamente as organizadas – o tema era monopolizado por essa ótica.
Estou seguro de que com uma possível ampliação da torcida mista para todos os clássicos, ficaremos convencidos na prática de que não há a necessidade de impedir todo tipo de convivência entre pessoas que torcem para rivais num jogo, e que “torcedores” não são bárbaros. O foco ficará nos poucos bandidos organizados que vêm dando o tom e fazendo com que tudo e todos se adaptem a eles já há mais de vinte anos.
Como dizer que houve “briga entre as torcidas” porque grupinhos de marginais organizados se enfrentaram, quando na mesma partida todos puderam ver a convivência pacífica entre milhares de torcedores adversários no mesmo setor? A medida me parece o exemplo perfeito de quando a lógica dominante é subvertida e virada pelo avesso.
Às vezes a realidade precisa nos relembrar daquilo que sabemos, mas esquecemos.
PS: Apesar de entusiasta da ideia, estou plenamente de acordo com o Mauro Cezar Pereira, da ESPN Brasil, que chamou a atenção para o fato de que é necessário que o torcedor continue tendo a opção de estar apenas entre os seus. Penso que a torcida mista deve ser apenas uma possibilidade a mais, sem nenhum ideal de que “o estádio inteiro se torne misto”, sem interferir nem mesmo na existência do setor da torcida visitante.
[…] locais como São Paulo e Porto Alegre, muito melhor seria reservar setores inteiros para a torcida mista, como maravilhosamente é feito nos Gre-Nais (assunto que abordei aqui). Isso tira aquele aspecto de “chiqueirinho” onde a torcida rival fica toda segregada, […]