Créditos da imagem: Pedro Martins / MoWA Press
Aquele velho ditado de que “onde há fumaça, há fogo” é sempre verdadeiro. Como todos os ditados, diga-se. E o futebol brasileiro teve nessa semana uma fumaça que é bem mais que isso. Deu até para ver a luz das chamas. Foi quando o presidente do Atlético Paranaense, Mario Celso Petraglia soltou a informação de que a Globo quer deixar os Estaduais de lado. Inclusive, o diretor da Rede Globo, Fernando Manuel, deu entrevista tratando sobre o tema.
Então vamos por partes. E muitas. Este é o primeiro artigo de uma série que vai tratar de assuntos correlacionados e que mostram os novos rumos do futebol brasileiro.
Sim, o futebol brasileiro precisa mudar. Os Estaduais não fazem sentido e representam um anacronismo que trabalha mais contra que a favor do futebol. Para caber no calendário eles atrapalham a pré-temporada, forçam os clubes a usarem os principais atletas, criam um senso de disputa exagerado no início da preparação. E o pior de tudo: trazem a eterna sensação de que temos 12 times grandes no Brasil. Sensação essa que vem justamente dos Estaduais das décadas em preto-e-branco, que forjaram campeões que se sustentam pela história e não pela modernidade.
Não precisa justificar dizendo “que se não for assim alguns clubes jamais serão campeões novamente”. Eu sei. É assim mesmo. Futebol não é ação entre amigos com prêmios de consolação. Os Estaduais atrapalham a preparação, mudam a estratégia de clubes que perdem e encobrem deficiências de clubes que ganham, pois os regulamentos são esdrúxulos e permitem campeões muitas vezes sem justificativa.
Se a Globo fala em trabalhar contra os Estaduais, nos moldes em que existem hoje, faz bem. Estaduais são portas de entrada para competições nacionais, para utilização de jovens, e não para fazer mercantilismo com clube jogando em cidade do interior uma vez por ano.
Nesse sentido, o futebol brasileiro já começou a mudar e muitos nem perceberam. Ser sutil é uma arte.
Neste artigo vamos falar da primeira grande mudança desde 2012, quando o Clube dos 13 implodiu e a TV passou a fazer contratos bilaterais de direitos de transmissão do Brasileiro. Falaremos da Copa do Brasil.
A “Nova” Copa do Brasil
A Copa do Brasil de 2018 apresentou um salto expressivo no valor distribuído aos clubes como premiação. Este crescimento, que levou a cota do campeão Cruzeiro de R$ 13,3 milhões em 2017 para R$ 61,9 milhões em 2018 é fruto do aumento no valor do contrato de direitos de transmissão assinado entre Confederação Brasileira de Futebol e Rede Globo.
O novo contrato ultrapassa os R$ 300 milhões, conforme informações da imprensa, e deste montante o valor que foi destinado aos clubes foi de aproximadamente R$ 278 milhões.
Ou seja, o Cruzeiro campeão abocanhou 22% do total distribuído. E o que mais este valor representa dentro da realidade do futebol brasileiro?
Vamos comparar coisas comparáveis. O valor de premiação da Copa do Brasil embute o prêmio propriamente dito e o valor referente aos Direitos de Transmissão da competição. A origem do recurso é este contrato entre CBF e Globo.
O aumento no valor teve origem no aumento do contrato entre as partes.
Diferente do Campeonato Brasileiro, onde até 2018 cada clube negocia seus valores direta e individualmente com a Rede Globo, na Copa do Brasil os clubes não participam da negociação.
Portanto, não dá para comparar diretamente premiações da Copa do Brasil com as premiações do Campeonato Brasileiro. Elas têm origem diferente e representam situações diferentes. Enquanto o prêmio do Brasileiro é apenas de mérito, na Copa do Brasil há o mérito e a Cota de TV.
Mas dá para comparar o valor total da premiação com diversos outros números, de forma a avaliar quão relevante é este valor no contexto do futebol brasileiro.
1ª Comparação: Brasileiro de 2017
Para fazer a conta de comparação entre a premiação da Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro, a seguir temos um detalhamento dos valores recebidos pelos clubes em 2017, considerando que a parte relativa às cotas de TV do Brasileirão são a soma de todos os meios. Daí adicionamos a premiação referente ao desempenho, que no Campeonato Brasileiro vai do campeão ao 16º colocado.
Com esta abertura podemos comparar o valor pago ao Cruzeiro pela conquista da Copa do Brasil de 2018 com os valores correspondentes no Brasileirão. Utilizamos 2017 mas esta conta vale como referência para 2018, uma vez que os valores referentes às cotas de TV são os mesmos, alterando apenas a premiação por desempenho, dada a colocação dos clubes.
Importante fazer outra explicação antes de avaliarmos os números: enquanto a Copa do Brasil depende efetivamente de desempenho para se alcançar a premiação, no Campeonato Brasileiro a maior parte, que vem da cota de TV, está dada e independe de desempenho.
Esta é uma distorção que permite que o clube opte pela chance de vencer a Copa em detrimento do Brasileiro. A partir de 2019 esta condição mudará, uma vez que 30% do valor referente à Cota de TV do Brasileiro será pago apenas ao final do campeonato e de acordo com o desempenho esportivo.
Observando os dados com atenção vemos que a Copa do Brasil de 2018 rendeu praticamente o mesmo valor em premiação + TV que o Brasileiro de 2017. Como os número do Brasileiro não devem se alterar em 2018, significa que para uma competição de apenas 8 jogos o clube campeão recebeu o mesmo que numa competição de 38 partidas, que requer mais planejamento, elenco maior e mais equilibrado. Há uma clara diferença técnica entre as competições. Independente de atualmente ser disputada ao longo de todo o ano, há maior espaçamento entre os jogos e isto requer elencos menores. Ainda há os fatores esportivos e “extra-campo”, como sorte, erros, que transformam os clubes em vencedores ou derrotados. Numa competição longa isto é diluído.
Veja também que esta premiação da Copa do Brasil só não é maior que as Cotas + Premiação de 7 clubes no Brasileiro.
Se considerarmos uma comparação com o Atlético Mineiro, maior rival da Raposa, o clube recebeu o equivalente a 113% da cota e premiação de TV que o Galo recebeu no Brasileiro.
A Copa do Brasil representou para o Cruzeiro o equivalente a outro Brasileiro, considerando sua cota. Na comparação com o principal rival, é como se tivesse o dobro de recursos, obviamente recebidos pelo mérito da conquista.
2ª Comparação: Brasileiro de 2017 com Eliminados da Copa do Brasil
Mas nem tudo são flores nesta premiação da Copa do Brasil. Exceto o vencedor, e em alguma medida o vice-campeão, cair antes de chegar às finais é um péssimo negócio. A premiação cai drasticamente, conforme podemos observarmos na tabela abaixo.
Note que o Corinthians vice-campeão recebeu R$ 31,9 milhões, que já é 52% do prêmio ao campeão. E a redução é mais sensível a partir daí, pois os eliminados nas semifinais receberam R$ 11,9 milhões (19% do campeão) e os eliminados nas Quartas de Final receberam R$ 8,9 milhões, equivalente a 14% do recebido pela Raposa.
Note que a premiação é realmente um grande incentivo ao campeão, mas para os demais clubes, especialmente quem chega apenas à semifinal, não chega a empolgar, especialmente se o clube for daqueles que possuem uma cota de TV do Brasileiro das mais robustas.
Portanto, apesar de ser uma competição que premia de forma elevada o vencedor, traz embutida um risco que é dedicar-se a ela e ficar pelo caminho.
A partir de 2019, quando o Campeonato Brasileiro tiver premiação associada ao desempenho, os clubes deverão ponderar se vale abdicar o Brasileiro para arriscar na Copa do Brasil
3ª Comparação: Copa do Brasil x Outras Copas na Europa
Qual a relevância financeira Copas nas Ligas da Europa? Se no Brasil a Copa do Brasil é um caminho de ouro para algumas conquistas, como um prêmio realmente relevante, além da classificação para a Libertadores do ano seguinte, diretamente na fase principal, na Europa as competições do padrão “copa” são menos atraentes. Tanto que os valores envolvidos são substancialmente menores.
Os valores pagos em premiação pelas Copas na Europa são bastante inferiores ao pago no Brasil pela Copa do Brasil.
Não é que estamos falando de diferenças exorbitantes, mas sim de diferenças relevantes.
Enquanto na Inglaterra a FA Cup paga ao campeão o equivalente a 0,01% do valor de direitos de TV recebidos pela Premier League. Já a Copa da Itália paga o equivalente a 1,1% do que recebe a Série A pelos direitos de TV.
No Brasil, se considerarmos todos os meios de transmissão, o campeão da Copa do Brasil recebe 3,5% do valor de direitos de TV, e se considerarmos apenas os valores de TV Aberta e Fechada este percentual sobe para 5,6%.
Relevância da Copa do Brasil
O que observamos com estas comparações é que o valor pago ao campeão da Copa do Brasil parece soar elevado em demasia. Há quem pode dizer que é o Campeonato Brasileiro ou a maioria dos clubes que recebe pouco, mas quando comparamos os valores locais com os pagos pelas Copas nas principais ligas europeias vemos que, de fato, o que se paga no Brasil é maior.
O motivo? Trata-se de um ótimo produto para a TV. Natural que a emoção de um torneio eliminatório seja motivo para atrair audiência e transformar a competição num grande sucesso de audiência. Para os clubes passou a ser mais que uma vaga na Libertadores, e se transformou numa mina de ouro para o campeão, e só para o campeão. Clubes de menor receita geral tendem a se apoiar ainda mais nessa competição, como forma de vencer algo além do campeonato estadual.
Próximos Passos
Neste artigo vimos uma mudança importante, que é a valorização da Copa do Brasil. No próximo falaremos sobre a mudança nas cotas de TV para o Brasileiro de 2019 a 2022, e no terceiro e último será a forma como poderíamos pensar o calendário e a estrutura do futebol brasileiro.
estaduais sao o cancer do nosso futebol
[…] à segunda parte do artigo que trata das mudanças que estão em curso no futebol brasileiro. No primeiro, falamos sobre o maior incentivo à Copa do Brasil, que é uma competição em formato mata-mata, […]
[…] duas colunas anteriores dessa trilogia (Parte 1 e Parte 2) falamos sobre a valorização da Copa do Brasil e sobre a nova forma de distribuição […]