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Portal Terra
Uma pauta que tem sido recorrente nas últimas semanas é o enaltecimento à vitoriosa campanha do Corinthians e a comparação dos números do alvinegro de Itaquera com os de outros vencedores do Campeonato Brasileiro. Muitas comparações que tenho visto por aí, porém, não têm maior serventia do que massagear o ego dos torcedores corintianos. Por isso, muito mais importante para o público geral do que apresentar estatísticas superficiais é olhar o que existe por trás delas e o que esses números estão realmente dizendo (e, registre-se, pouquíssimos estão escutando).
Antes de adentrarmos essa análise, uma observação importante deve ser feita. Ao longo da história, já foram realizados 45 campeonatos brasileiros (ou 59, para quem também contabiliza a Taça Brasil e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa) e uma comparação entre todos os vencedores se tornaria muito cansativa (pelo tamanho que as tabelas atingiriam) e imprecisa (pela diversidade de fórmulas de disputa e do nível técnico dos participantes de cada campeonato), sem falar que o próprio futebol mudou muito nessas últimas décadas. Por isso, fazendo eco a muitas estatísticas que se vêem por aí, restringirei a análise à chamada “era dos pontos corridos” (2003-2015).
A primeira comparação óbvia a ser feita é entre os rendimentos dos campeões brasileiros ano a ano. Nessa primeira tabela, uma leitura atenta de algumas informações já começa a fornecer alguns indícios da conclusão a que chegaremos.
É verdade que o Corinthians foi apenas o segundo time da história dos pontos corridos a ser campeão tendo simultaneamente o melhor ataque e a melhor defesa. Também é verdade que, se o Corinthians vencer o seu último jogo, contra o Avaí, superará o aproveitamento do Cruzeiro-2003 e atingirá o maior aproveitamento de toda a “era dos pontos corridos”. Uma análise atenta das outras colunas dessa tabela, porém, nos mostra outras características não só de onde se manifestou a superioridade corintiana mas também de uma tendência que vem se desenhando de forma cada vez mais forte e mais nítida:
* O ataque do Corinthians, embora tenha sido o melhor do campeonato, não passou de modestos 1,89 gols por jogo, sendo apenas o quinto melhor ataque dentre os campeões;
* A defesa corintiana, por sua vez, com 0,81 gol sofrido por jogo, foi melhor até que a do econômico time de 2011 (apelidado de “empatite”) e é a segunda melhor dentre todos os campeões, sendo superada somente pela quase intransponível defesa do São Paulo-2007.
Saindo do Corinthians e passando à tendência geral, é importante lembrar que, nos primeiros anos dos pontos corridos, o campeonatos tinham mais participantes (24 em 2003 e 2004 e 22 em 2005) e consequentemente tinham maiores distâncias técnicas entre os melhores e os piores participantes. Assim, levando em conta essa ressalva, mais algumas observações importantes saltam aos olhos de quem se dispuser a ir além do superficial.
* Sete vezes o melhor ataque venceu o campeonato e seis vezes a melhor defesa levantou o troféu. Mas restringindo a análise aos campeonatos de 20 participantes (2006 a 2015), são seis títulos da melhor defesa contra apenas três do melhor ataque!
* Com exceção dos campeões de 2003 a 2005 e do Cruzeiro-2013, todos os vencedores do Campeonato Brasileiro tiveram médias inferiores a 2 gols marcados por jogo. Isso significa que, de 2006 para cá, virtualmente todos os campeões brasileiros o foram não por possuírem ataques atropeladores, mas por fazerem gols suficientes para somar três pontos aqui, três ali, três acolá etc.
* Exceto (novamente) pelos três primeiros campeões e pelo Flamengo-2009, todos os campeões brasileiro tiveram médias iguais (Cruzeiro-2014) ou menores (todos os demais) que 1 gol sofrido por jogo. Isso reforça que, de 2006 para cá, os campeões não têm sido “máquinas de fazer gols”, mas times que sofrem poucos gols e, por essa razão, raramente se vêem obrigados a marcar quantidades expressivas de gols para conquistar os três pontos.
* De 2006 até hoje, todos os campeões ficaram entre as quatro melhores defesas (e, na grande maioria das vezes, ficaram entre as maiores defesas). Já entre os ataques, São Paulo-2007, Flamengo-2009 e Corinthians-2011 ficaram em posições modestas no ranking do quesito. O recado aqui é óbvio: defesa ruim não ganha campeonato, enquanto um ataque fraco, se estiver acompanhado de uma boa defesa, pode perfeitamente levantar o troféu.
Provavelmente o leitor mais atento já sabe onde quero chegar, mas ainda há mais dados a serem mostrados nesta análise:
Analisando essa tabela e lembrando-se da ressalva acerca dos três primeiros anos dos pontos corridos, podemos tirar mais algumas conclusões que reforçam o que observamos na tabela anterior:
* Em seis vezes a melhor defesa terminou numa colocação superior ao melhor ataque, enquanto em cinco vezes o melhor ataque terminou numa posição melhor que a melhor defesa. Descontando os campeonatos de 2003 a 2005 (pelas razões já expostas anteriormente), a vantagem passa a ser de 6 x 2 para a melhor defesa.
* Com exceção dos anos de 2013 e 2014 (e de 2003, que faz parte do “período da ressalva”), o time de melhor defesa sempre terminou entre os três primeiros colocados do campeonato, enquanto o melhor ataque, em quatro oportunidades, ficou abaixo da terceira posição. Dito de outra forma, de 2006 para cá a melhor defesa ficou somente duas vezes fora da Libertadores, enquanto o melhor ataque ficou três vezes fora e uma (Grêmio-2010) obrigada a disputar os play-offs preliminares da principal competição do continente.
* Os aproveitamentos dos times de melhor defesa são sistematicamente mais expressivos do que os dos campeões de ataque. Por conseguinte, a melhor defesa é sistematicamente mais eficiente do que o melhor ataque. Isso é fácil de perceber se observarmos na primeira tabela que, com exceção do Flamengo-2009, todos os campeões tiveram aproveitamento superior a 62% dos pontos disputados. Pois bem, nos campeonatos disputados desde 2006, a melhor defesa atingiu esse aproveitamento em sete oportunidades contra apenas cinco do melhor ataque.
Para concluir, uma última análise, baseada em estudo realizado no ótimo livro “Os Números do Jogo” (de Chris Anderson e David Sally). Eis o que revela um raio X das campanhas de Corinthians (campeão com grande diferença de pontos para o segundo colocado) e Joinville (lanterna do campeonato com grande distância para o penúltimo colocado):
O que se vê nessas duas tabelas é que tanto, para o melhor quanto para o pior time do campeonato, valem as percepções óbvias de que “quanto mais gols marcados, melhor o aproveitamento” e “quanto menos gols marcados, melhor o aproveitamento”. Mais notável que isso, porém, é perceber que:
* Tanto para o campeão quanto para o último colocado, o aproveitamento obtido por uma defesa com 0 ou 1 gol sofrido só é alcançado por um ataque com 2 ou mais gols marcados. Ou seja, para ter aproveitamento melhor que um time com boa defesa (sofrendo entre 0 e 1 gols sofridos por jogo), só tendo um ataque acima dos padrões atuais (marcando 2 ou mais gols). Ressalte-se, ainda, que 37 jogos são uma amostra pequena. Com amostras maiores, frequentemente o aproveitamento com 2 gols marcados é inferior ao aproveitamento com 0 gols sofridos, ou seja, para alcançar o aproveitamento de uma defesa com 0 a 1 gols sofridos jogo, pode ser necessário atingir os 3 gols marcados por jogo!
* A diferença mais acentuada entre os dois perfis de aproveitamento está nos números referentes a 1 gol marcado: o aproveitamento corintiano nesse caso foi de 57,58% contra 20,83% do Joinville. A explicação para isso é clara: dos 11 jogos em que o Corinthians marcou apenas 1 gol, cinco (50,5%) foram vitórias por 1×0, enquanto dos 8 jogos em que o Joinville marcou somente 1 gol, apenas um (12,5%) terminou com os catarinenses vitoriosos!
Tudo isso mostra que, sim, o Corinthians foi muito superior aos seus adversários. Mas, inequivocamente, o fator preponderante nessa superioridade (e também nos desfechos dos campeonatos dos anos passados) foi a sua força defensiva. É óbvio que marcar gols é bom e importante mas a defesa, o não sofrer gols, é que tem sido cada vez mais determinante.
Sou de uma geração marcada pela derrota do Sarriá e pela aula dada por Enzo Bearzot, Paolo Rossi & cia.: de nada adianta marcar dois gols e sofrer três! Uma lição dada 33 anos atrás e corroborada pelos números dos últimos dez anos do Campeonato Brasileiro mas, infelizmente, aprendida por muito poucas pessoas. Uma delas é o técnico Tite, que, sempre sofrendo pouquíssimos gols, ganhou todos os títulos possíveis em 2011/2012 e montou o melhor time do país em 2015.
vai corinthians