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Algo que tem me chamado a atenção, nas opiniões de santistas, é a mistura de adoração incondicional e questionamentos automáticos a Jorge Sampaoli. Ao mesmo tempo em que é aclamado pela campanha em 2019, recebe críticas por escalar três zagueiros, manter Everson no gol e variações como Soteldo centralizado na frente. Criticas estas que, inclusive, não raro se mostram justificadas. Tanto que a proporção recente entre jogos elogiados (Palmeiras e o endeusado primeiro tempo contra o Flamengo) e alvejados passou a pender para baixo. Minha pergunta é: eles acreditam que Sampaoli pode mudar? Sendo mais claro: qual Sampaoli é amado? O real ou o que eles desejam (sonham) que seja?
Sampaoli – ou “Showpaoli”, como diz Fernando Prado – não vai mudar. Ou melhor: vai mudar o tempo todo. Quem espera um time-base, com modificações apenas eventuais, está vendo um filme do Hulk achando que vai subir pelas paredes e atirar teias. Não é o mesmo vingador. Seu imaginário “superpoder” é escalar cada time conforme quem estiver do outro lado. Também envolve acreditar que, especialmente fora de casa, precisa de três zagueiros para acuar o adversário em seu campo. Tem jogo em que as ideias funcionam. Tem jogo em que parece ter se esquecido de combinar com o adversário. Torcedores esperam que, como um cientista atento, descarte as experiências frustradas. É o maior engano que cometem. O Dr Frankenstein da Vila não conhece Raul Seixas, mas tenta outras vezes. Até a prática provar – se provar – sua teoria. Nem por isso deixará de testar outras.
Quando escrevo sobre Fernando Diniz, falo sobre um livro de métodos que ainda estaria sendo escrito pelo técnico são-paulino. Sampaoli já terminou este livro faz tempo. Seus métodos são os vistos seguidamente no Sevilla, na Argentina e no Santos. A diferença é que, na seleção de seu país, fez os experimentos a seco, sem treinamentos. Por isso chegaram a interditar seu laboratório. Já no Sevilla pôde trabalhar como quis. Mudando quase todo jogo, surpreendendo no começo e vendo os resultados gradativamente caírem. Uma eliminação para o Leicester (já nem sombra do que fora em 2005/2016) e um quarto lugar digno, mas não memorável, na Liga espanhola. No final da temporada, a diretoria do clube andaluz não fez esforços para evitar que assinasse com a AFA. Gostaram do filme, porém não necessariamente o veriam de novo.
Foram também estes métodos que fizeram o Santos praticar um futebol acima do que seu elenco e sua situação financeira sugeriam. Mas lembremos que também não foi uma penúria total. Foi Sampaoli que fez o clube gastar dinheiro com Cueva, contra todos os avisos amigos. O lateral Jorge (às vezes banco, mesmo jogando bem) tampouco foi aquisição humilde. Sampaoli não faz escolhas heterodoxas por necessidade de improvisar. É simplesmente sua vontade. Foi assim que o Santos teve seus bons e maus momentos até aqui. É assim que, mui provavelmente, chegará em terceiro lugar no Brasileirão – próximo de um abastado Palmeiras e distante de um Flamengo rico e fortalecido por Jesus. Considerando tudo, uma performance superior à expectativa. Mas será acima o suficiente para manter, por mais um ano, esta relação de admiração e incômodo?
Não me surpreenderei se, no final do ano, houver uma proposta de fora e Sampaoli deixar a Vila. Nem acharei estranho se a torcida manifestar calorosa gratidão, mas sem pedidos desesperados para que fique. Técnicos assim tanto empolgam quanto cansam. Ainda mais num país em que a visão tática do torcedor em geral é atrasada. Ainda escalam seus times ideais com “primeiro volante, segundo volante, meia-atacante…”. Não raro, creditam o desempenho de um time melhor às individualidades. Tais torcedores sentirão um certo alívio – mesmo que velado – em sua despedida. Resta saber o que virá depois, dependendo do futebol e dos placares do sucessor “que não inventa”.
Inventa muito, mas é bom. Só que é isso mesmo, Sampaoli acaba gerando um sentimento ambíguo para nós, santistas.