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2014. Copa do Mundo. 12 Sedes, 12 Estádios novos. O Brasil foi inundado pelas chamadas “arenas”, estádios teoricamente supermodernos, prontos para recepcionar turistas de todas as nacionalidades que vinham ao País do Futebol atrás do mais importante evento do mais amado esporte do Mundo. Mas não foram apenas 12 novos estádios.
2017. Recessão econômica por 2 anos seguidos. Economia Brasileira em profunda crise. Desemprego. Além dos 12 estádios da Copa do Mundo, o Futebol Brasileiro ainda conta com outros 2 estádios novos, construídos apesar da Copa. E uma sensação geral de que Estádio de Futebol é um negócio ruim.
Será?
Nenhuma análise sobre este tema pode ser feita sem levarmos em consideração uma série de elementos. Na verdade, nenhuma análise sobre qualquer tema pode ser feita sem que haja contextualização. Afinal, se estamos longe da Teoria do Caos, a análise de qualquer projeto de longo prazo pressupõe que se avalie uma série de fatores, e se um deles sai do prumo, há chance razoável de que o resultado inicialmente esperado não se atinja.
Nesse sentido, analisar ex post é bastante mais simples, mas permite que avaliações de novos projetos evitem erros cometidos anteriormente, É a vantagem de usar tecnologia já desenvolvida: você está atrasado, mas ela chega pronta e muito mais barata, pois os defeitos já foram solucionados e a escala atingida.
Voltando aos Estádios, é visão comum de que ter um estádio é um negócio ruim, lembram? Pois bem, para saber se um negócio é bom ou ruim é preciso primeiramente tomar como base a expectativa inicial que se tinha em relação ao projeto. Aliás, fundamental categorizar os Estádios como “projetos”, pois isto faz toda a diferença na análise. Um “projeto” nasce de um Business Plan – e todos nasceram assim – com Custos e Investimentos teoricamente bem precificados, bem como com premissas de Receitas que deveriam ter cenários de validação – ou seja, visões realistas, otimistas e conservadoras.
A partir deste ponto, e considerando que todos os estádios construídos no Brasil recentemente foram amparados por um Business Plan que certamente mostrava viabilidade financeira, precisamos começar a separar os ativos, de acordo com suas origens. Voltamos com a história da expectativa.
Pensem nos estádios construídos para a Copa do Mundo. Com exceção de Beira Rio, Arena da Baixada e Arena Corinthians, todos os outros 9 estádios são Públicos. Sob o ponto-de-vista de propósito, esta é uma diferença fundamental em qualquer análise. Todo bem Público tem como objetivo servir à população, e não necessariamente dar lucro. Tanto é que, além de colocar recursos diretos na construção, o Estado arca com parte relevante do pagamento das Dívidas contraídas para a construção, através das chamadas “Contra-prestações”, que são recursos orçamentários direcionados especificamente para este fim.
Mesmo nos casos em que há uma concessão e um operador, a maior parte da fonte de recursos para pagar as dívidas não vem da bilheteria ou do aluguel do estádio; vem da contra-prestação.
Por que isto? Porque a maior parte dos Estádios foi feita em locais onde não há fluxo recorrente de jogos, e por isso não há renda que permita existência de fluxo de caixa, ou porque mesmo onde há fluxo, como Maracanã, Mineirão e Fonte Nova, os clubes pagam aluguel pelo uso, e não é a bilheteria a principal receita do estádio. Claramente, o valor do aluguel é uma fração da bilheteria, cuja propriedade é do clube mandante da partida.
Certamente o business plan desses ativos até deve ter previsto fluxos adicionais de caixa, como venda de Naming Rights – ainda que pareça estranho chamar o Maracanã de “Arena Tal” – venda de camarotes, catering, aluguel para shows, entre outros, mas o fato é que a contra-prestação do Estado deveria ser a grande fonte de renda das concessões.
De qualquer forma, utilizar os estádios públicos como referência de avaliação sobre a viabilidade financeira de um estádio é um tanto equivocado, dado aspecto de utilidade pública. Pode-se questionar a necessidade do investimento, o valor gasto em detrimento a outras necessidades da população, mas esta é uma avaliação que cabe aos eleitores fazerem. Financeiramente, não cabe.
ESTÁDIOS PRIVADOS
Bem, nos restam os 3 estádios privados utilizados na Copa do Mundo e outros dois inaugurados em período próximo: Arena do Grêmio e Allianz Parque.
Aqui, a questão financeira precisa ser analisada, e o modelo precisa parar de pé. Mas, e tem sempre um mas, precisamos partir de um dado do problema: informação.
Dos 5 estádios privados, conseguimos informações aceitáveis de apenas dois deles: Arena Corinthians e Beira-Rio. A Arena da Baixada mantém os dados de desempenho dom estádio dentro do balanço do Atlético Paranaense, enquanto no caso da Arena do Grêmio os dados financeiros ficam numa empresa da OAS, e os do Allianz Parque são de uma empresa privada que não disponibiliza os dados.
Pois bem, aqui temos mais um dado do problema: sem dados de 3 dos 5 estádios, que possuem estruturas de financiamento e receitas completamente distintas, não é possível afirmar de forma categórica que os estádios são negócios ruins. Não há dados.
Além disso, como são ativos de valor relevante, qualquer retorno esperado é de longo prazo, e existe um ramp up operacional natural, que vai desde a melhor gestão das receitas, até a melhor forma de controlar custos e a maneira mais eficiente de realizar a manutenção. É o mesmo que ocorre em outros ativos imobiliários, como edifícios comerciais e shopping centers, ou qualquer projeto, como aeroportos, portos e rodovias. Há um período de estabilização, natural, e é justamente por isso que as concessões são de longo prazo.
Voltando aos estádios, no caso da Arena Corinthians, os números publicados não são conclusivos e não permitem uma análise em bases aceitáveis. Há apenas parte das receitas e custos, por conta da estrutura societária. A divulgação de dados é do Fundo de Investimentos que controla o estádio e, portanto, os dados apresentados são do Fundo e representam apenas parte do que é o estádio.
No caso do Beira-Rio a holding que controla o estádio publica os balanços e nos permite analisar as informações. O que temos com base em 2015 e 2016 é o seguinte:
Encontramos um estádio que é capaz de gerar receita, mas em bases módicas. Naturalmente que o fato do Internacional ter sido rebaixado à Série B em 2016 gerou impacto, conforme vemos que das Receitas com Bilheteria. Que, diga-se, não são as bilheterias diretas vendidas pelo Clube, que estão no balanço do Internacional. A gestora do estádio tem direito a camarotes e 5 mil cadeiras, e isto está marcado nas linhas de Cessão de Espaço e Bilheteria. Todo o restante é do Internacional.
Mesmo com ações de marketing em 2016, que aumentaram os Custos, ainda assim o estádio teve EBITDA (Geração de Caixa Operacional) positivo, e tanto a Despesa Financeira caixa quanto o CapEx foram suportados por esta geração de caixa.
Ou seja, mesmo ainda num momento inicial de atividade, o estádio já tem desempenho operacional. E isto é um aspecto importante, porque se mede desempenho e bom negócio a partir dessa premissa. Naturalmente, vamos entrar num campo espinho que é a forma como o ativo foi financiado, o custo desse financiamento, o prazo e daí a situação fica mais complexa. E difícil.
Mesmo com a dívida tomada junto ao BNDES, o custo total é perto de 10% ao ano. Considerando R$ 22 milhões de pagamento anual, com juros sobre parcela de mais R$ 2,2 milhões, são R$ 24 milhões de amortização anual, e um saldo devedor crescente, porque a diferença de juros é incorporada ao saldo da dívida. No momento do estádio, é inviável. Uma operação deste porte deveria ter prazo mais longo e taxas de juros de países estáveis, como os europeus e seus cerca de 2% ao ano.
Imagine então uma linha de R$ 220 milhões, com 20 anos de pagamento e 2% de ano de juros sobre parcela. A conversa inicia em R$ 11,2 milhões, muito mais palatável, considerando que no 3º ano de operação o clube já geraria perto de R$ 9 milhões anuais.
Ou seja, o grande problema da equação de um estádio é justamente o tamanho da dívida necessária para fazer o investimento, que deve ter prazo e custo compatível com o fluxo de caixa esperado.
COMPATIVO COM A EUROPA: ALLIANZ ARENA, MUNICH.
Contando com a ajuda de Luca Marotta, Italiano especialista em Finanças do Futebol, conseguimos os números da Allianz Arena, casa do Bayern de Munich. O estádio é atualmente do clube alemão, depois de comprar os 50% que pertenciam ao München 1860 em 2010.
Como referência, o estádio custo € 340 milhões e foi inaugurado em 2005.
Os dados mais recentes, com alguns comentários:
O Estádio não tem dívidas. Na verdade, foi construído tem como fontes de recursos endividamento da ordem de € 260 milhões e adiantamentos de receitas de bilheteria do Bayern de Munich de cerca de € 80 milhões.
Entretanto, ao longo do tempo tanto as receitas geradas pelo Bayern foram maiores que o esperado e considerado no business plan, como os detentores da dívida optaram por transformá-la em capital, capitalizando-a. E por que isto ocorreu? Daqui a pouco trataremos deste tema.
Hoje o estádio não carrega dívidas, e isto ajuda de forma importante na gestão.
Tratando da operação, o estádio possui Receitas relativamente estáveis, e que são compostas da locação de camarotes, da gestão dos restaurantes, do estacionamento, lojas e tours. Já em relação aos Custos, nota-se que na temporada 14/15 houve forte redução, no que é chamado no DRE de “Outros Custos”, mudando completamente o patamar de geração de caixa da companhia. Possivelmente está associado à capitalização ocorrida naquela temporada.
Dessa forma, o EBITDA do estádio torna-se bastante robusto. Mas é preciso estar atento a esta medida. O uso do EBITDA como referência de Geração de Caixa não vale para todas as Indústrias. Nos casos em que há forte necessidade de recompor a Depreciação – que é o quanto o ativo “perde valor” no tempo – o ideal é considera-la no cálculo da Geração de Caixa Operacional. Foi o que fizemos na análise da Allianz Arena. Assim, como o estádio praticamente reinveste toda a Depreciação em manutenção, o melhor valor que reflete a Geração de Caixa é o número de foi de € 10 milhões em 14/14 e € 18 milhões em 15/16.
A mudança de gestão de Custos foi fundamental para que o estádio passasse a ter maior robustez de geração de caixa, e consequentemente, de Lucro. E daí, voltamos ao tema do início deste tópico, que é a Capitalização da Dívida.
No final da tabela acima fazemos uma comparação do que seria o retorno que a dívida traz para o Credor e o retorno sobre o investimento (ROE – Return On Equity). Veja que, o maior retorno da Dívida foi de 5,9%, que é bruto, e para o Credor ainda é necessário excluir o Imposto de Renda sobre Ganho de Capital (uma referência, apenas), que na Alemanha é de 15%. Como exemplo, os 5,9% da temporada 13/14 se transformam em 4,8%.
Enquanto isso, os ativos imobiliários costumam ter benefícios fiscais para os Investidores. Na Alemanha, os Fundos Imobiliários são taxados em 25%, mas há abatimento de 2/3 deste valor, o que leva o número a 8,3%, que é cerca de metade do que se tributa como Ganho de Capital. Ainda há regras a serem cumpridas nesse tipo de Fundo, mas ainda assim são normalmente mais atraentes que Fundos Financeiros típicos.
Ou seja, para o Credor era mais interessante ter a dívida convertida, como foi o caso. Há que se fazer uma ressalva: como os dados são apresentados pelo Luca Marotta, e não temos detalhes sobre essas movimentações de Dívidas e Capitalizações, trabalhamos os conceitos, mas com algumas ressalvas, que não mudam a análise de forma substancial.
E NO BRASIL, COMO É POSSÍVEL FAZER?
Já observamos que é possível obter desempenho operacional positivo com um estádio de futebol, mesmo sem considerar as receitas de Bilheteria do dono e mandante primário dos jogos. Vimos também que o problema está no dinheiro que financiará a obra, e claro, no tamanho do investimento.
Como vemos que a questão da dívida é insolúvel, pois não existem linhas com as características que mencionei anteriormente, resta buscar outras fontes.
A equação deveria fechar para um clube que pretende construir um estádio próprio considerando alguns aspectos:
– Tamanho do estádio: deve ser compatível com uma relação demanda/oferta que possibilite ao clube cobrar valor de ingresso que remunere o investimento;
– Valor do Investimento: compatível com a capacidade de captação de recursos e com a capacidade de pagamento. Isto significa dizer que o estádio não precisa ser Padrão FIFA de Copa do Mundo, mas pode ser confortável, sem exageros;
– O clube tem que considerar que utilizará as Receitas de Bilheteria para pagar esta conta. Mas também que ter uma casa ajuda na alavancagem de outras receitas, como Sócio Torcedor, ações de marketing, e traz um goodwill com a torcida que eleva aspectos subjetivos, como auto-estima do torcedor;
– Funding: fundamental ter parte dos recursos do próprio clube, para evitar o pagamento de juros, e buscar alternativas de mercado, como Fundos de Investimentos que aceitam prazos de retorno mais longos e eventualmente retornos mais compatíveis com a atividade, em relações de longo prazo;
ENFIM…
Parece claro que há espaço para estádios privados no Brasil, considerando aspectos que de fato possibilitem os benefícios que este estádio traz. Ao mesmo tempo, ainda que seja um único exemplo, e isto é um limitador da análise, o Beira-Rio mostra que o modelo não é o ideal, mas o negócio em si não pode ser taxado de ruim. Seja porque isoladamente tem potencial de retorno, seja porque um estádio é uma peça numa estratégia de aproximação entre Clube e Torcedor. E isto não tem preço.
Leia também:
Sempre aprendendo com o grande Cesar Grafietti. Obrigado e um abração! 😉
Uau que aula!!!!! Ah se as discussões sobre o assunto fossem sempre assim!!!!!!!
E qual seria o impacto desses estádio novos que sempre ficam falando de fazer, como do Flamengo e so Galo??? Eles iam acabar mudando o mercado em auaa cidades, não??????
Se os estádios não expulsassem mais o povo com a gourmetização do espetáculo e a televisão não subjugasse os horários dos jogos, pelo menos em bilheteria as receitas seriam bem maiores.
leitura obirgatoria, eu nunca tinha visto isso explicado assim
o que eu fico pensando eh se fizerem mais estadios desses se um nao vai afetar a capacidade de receita do outro
Cesar Grafietti, com sinceridade, é um prazer ler esses seus textos! Não vejo ninguém que apresente a economia do futebol de modo claro, objetivo e explicativo como você.
E me parece muito preocupante que seja tão comum essa falta de divulgação de balanços aceitáveis das mais modernas “arenas” brasileiras!
E com estadios em lugares que nem times de futebol existe tipo amazonia
BELÍSSIMA COLUNA!