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O debate sobre o Clube Empresa de futebol continua e parece conversa de maluco. Ninguém se entende e o que vejo é apenas uma série de discussões e ideias inócuas, além de discursos que não trazem a realidade do Clube Empresa. Perda de tempo e muita pirotecnia.
Volto ao ponto central do tema: um Projeto de Lei (PL) só faz sentido e tem função para garantir que haja (i) segurança jurídica na transformação de Associação para Empresa e (ii) que haja isonomia tributária entre Associações e Clubes Empresa.
No caso (i) o que ocorre atualmente e precisa ser evitado é que quando uma associação cede seus direitos a um terceiro – uma empresa – se o processo não for feito através de uma aprovação com assembleia de sócios, há risco claro da Associação questionar a cessão dos direitos quando houver troca de comando na associação. Por exemplo, a diretoria atual aprova a cessão dos direitos do clube de futebol para uma S/A, com aprovação apenas do Conselho Deliberativo. Mas no ano seguinte há eleição na Associação e a oposição vence. A nova diretoria pode questionar na justiça a operação anterior.
O PL deve criar condições para que a decisão tomada pela associação seja definitiva, guardadas as regras de cada associação. Se será via assembleia de sócios, conselho deliberativo, se cederão os direitos ou se criarão uma empresa para depois vendê-la, isso tanto faz, desde que haja um ambiente regulatório que afaste o risco do negócio ser contestado. OBVIAMENTE que deve ser feito dentro das regras do clube e com a transparência necessária. Qualquer negócio feito de forma nebulosa pode e deve ser questionado. Mas desde que tenha sido feito sob regras claras e dentro do que o clube determina, está feito.
O ponto (ii) é até mais simples. As Associações têm isenção de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre lucro. Os Clubes Empresas pagam imposto sobre lucro e pronto. Afinal, as Associações possuem outras atividades, como clube social e esportes olímpicos. Mas aqui caberia um ajuste: a associação que só tiver futebol deveria ser igualada a uma empresa.
Além disso há isenções de PIS/Cofins sobre folha salarial. Também é simples de resolver, bastando conceder ao Clube Empresa um período de adaptação, com alíquotas subindo ao longo do tempo (5 anos, talvez) até atingir um nível de 50% do que paga uma Associação, por exemplo.
Pronto. Acabou. Não precisa de novo Refis, regras especiais de Recuperação Judicial, novas regras trabalhistas. Aliás, novas regras trabalhistas deveriam ser tratadas posteriormente, num ambiente próprio, com presença de atletas, clubes e justiça do trabalho, de forma a criar um ambiente que reflita a realidade da indústria. Aproveitar o PL de Clube Empresa para tratar deste assunto sem o devido cuidado é só criar mais um problema futuro.
Pois bem, dito isso, vamos ao Clube Empresa em si. E uma constatação: Clube Empresa não é certeza de nada. Ninguém pode dizer e garantir que o Clube Empresa será melhor que as Associações. Mas também ninguém tem motivo para defender cegamente as Associações no Brasil, bastando para isso conhecer e entender a situação de penúria a que chegaram.
Além disso, nem toda Associação precisa virar empresa, e não há apenas um modelo de empresa a ser seguido. Vamos explorar um pouco mais isso.
Por que virar Empresa e quem precisa disso?
O melhor argumento é deixar de ser uma estrutura política, que não tem dono formal, mas ao mesmo tempo tem inúmeros donos temporários. O resultado são gestões atrapalhadas, sem planejamento, com foco no campo apenas. Donos que não colocam seu capital em risco, e por isso mesmo administram negócios de porte considerável como se fossem um fantasy game.
Virar empresa trará governança, controles, e cuidado para preservar o capital investido. Pode significar perda de competitividade, mas, convenhamos, há um monte de clubes que já foram competitivos e que hoje apenas perambulam pelos campeonatos vendendo a ceia do ano que vem para pagar a o almoço de Páscoa do ano passado. Ilusão completa.
E são justamente esses os clubes que precisam virar empresa. Precisam que seus dirigentes deixem as poltronas e cargos, para serem entregues a quem pode mudar o curso dos negócios. Porque não é apenas trocar pessoas, mas trazer dinheiro para estancar a sangria. Dinheiro e credibilidade.
Os casos que deram errado
“Ah, mas o Figueirense manda um abraço!”, como li por aí outro dia. Mando abraço de volta!
O Figueirense é um dos exemplos, assim como o Botafogo de Ribeirão Preto, que precisam ser analisados e utilizados em qualquer processo de transformação de associação em empresa. Nesses primeiros casos, o futebol segue ignorando condições básicas de negócios de Fusões & Aquisições (conhecido no mercado financeiro como “M&A”, de Merger and Acquisition).
Algumas regras básicas que aplico aos processos que presto assessoria: (i) conheça quem vai comprar o clube; (ii) peça garantias e provas de que o proposto será executado; (iii) mantenha uma participação que permita monitorar a implantação do business plan; (iv) claro, conheça o business plan!; (v) tenha uma opção de recompra com condições definidas caso o business plan falhe; (vi) contrate um especialista para te assessorar (um banco de investimentos, um escritório de advocacia especializado, uma escritório de negócio) que vai garantir que as condições preservem a integridade da negociação.
Aparentemente nada disso foi feito no caso do Figueirense. A associação entregou o clube baseado apenas na promessa de entrar dinheiro, sem garantias nem salvaguardas. Erros de um primeiro negócio, que devem ser evitados a partir de agora.
Modelos de Controle
Precisamos acabar com a ideia fixa de que os clubes precisam virar S/A de capital aberto, com ações em bolsa. Isso tem aspectos positivos e negativos, custos importantes envolvidos.
Para cada clube haverá um modelo. Os mais organizados e equilibrados podem vender participações minoritárias para investidores estratégicos, mantendo o controle, assim como é feito na Alemanha e Portugal. Com isso o dinheiro que entra serve para acelerar investimentos, e o clube ainda ganha controles externos de outros sócios, reforçando a governança.
Haverá casos em que a Associação pode ser minoritária, abrindo espaço para dois ou mais acionistas criarem um processo de co-gestão, onde inclusive seria possível que Sócios Torcedores se tornassem acionistas do clube, com ou sem capital aberto em bolsa de valores.
Naturalmente há os que precisarão entregar tudo, porque a situação é tão grave e caótica que o valor está na marca e na história, e isso demanda ruptura total com os dirigentes que trouxeram o clube a esta situação. Para esses a transformação em empresa não é só uma possibilidade; é uma necessidade vital.
Alguns ainda poderão permanecer como Associações, mas sabendo que os que virarem empresa terão acesso a dinheiro e mais capacidade de investimentos. Por exemplo, a Juventus da Itália tem capital aberto e está organizando um aumento de capital de € 300 milhões para colocar em prática seu plano estratégico dos próximos 5 anos. Isso, depois de ter feito uma operação no início do ano onde captou € 175 milhões pelo prazo de 5 anos, para deixar seu fluxo de caixa estabilizado.
No Brasil, o Red Bull Bragantino deve subir para a Série A do Brasileiro em 2020 e notícias falam em investimentos expressivos na montagem do elenco para o próximo ano. A chance de clubes assim surgirem na Série B e tomarem o lugar de clubes tradicionais, mas em condições financeiras delicadas, é enorme.
Exemplos no Mundo
Ser empresa não é garantia de nada mesmo na Europa. Mas há muito mais casos de sucesso que de fracasso. Mas se o clube é grande e tem torcida e valor, então sempre haverá solução. Uso 3 clubes de exemplo: (i) Fiorentina e Napoli, que na primeira década dos anos 2000 faliram. Tinham donos que administraram mal o clube e acabaram. Pela regra italiana eles saíram da Série A para a Série D. Nesse momento chegaram novos donos, injetaram dinheiro e trouxeram os clubes para a Série A rapidamente. Hoje são clubes saudáveis e a Fiorentina acabou de ser vendida por cerca de € 135 milhões, trocando de mãos e recebendo mais investimentos na formação da equipe (ii) o Milan foi vendido pelo conhecido Silvio Berlusconni a um empresário chinês que ninguém conhece. O clube recebeu algum dinheiro mas também se endividou e apresentou prejuízos relevantes por 3 temporadas seguidas, sendo agora punido pelo Fair Play Financeiro da UEFA. Após 2 anos da operação o clube trocou de mãos, e o dono hoje é o Fundo Elliott, que aportou dinheiro, saneou o clube e impôs uma política de equilíbrio financeiro. Os resultados em campo ainda não voltaram, mas o clube se reestrutura. Se empresa o levou ao problema, mas também o salvou. Fosse uma associação mal gerida e demoraria anos para se recuperar de uma gestão desastrosa.
No final, o que importa?
O que importa é ser bem administrado. Ser Associação ou Empresa é irrelevante se for bem administrado. O fato é que no mundo há muito mais clubes empresa que associações, e a diferença de desempenho financeiro é clara. As exceções são Real Madrid e Barcelona, que possuem gestão de empresa e tem aspectos culturais relevantes que ajudam a impulsionar e estabilizar o negócio.
No Brasil a possibilidade de se transformar seriamente em empresa, sem pegadinhas e riscos jurídicos, talvez seja a única forma de salvação para alguns clubes, que perderam completamente sua capacidade financeira. Para eles a Associação que os trouxe até este cenário não funcionou bem e não funcionará daqui para frente. Nem é uma questão de competitividade, mas de sobrevivência mesmo.
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