Créditos da imagem: Futebol Brasileiro
Nas duas colunas anteriores dessa trilogia (Parte 1 e Parte 2) falamos sobre a valorização da Copa do Brasil e sobre a nova forma de distribuição do dinheiro da TV para o Campeonato Brasileiro. E naturalmente como isso impacta as finanças dos clubes. Neste episódio tratarei sobre que caminhos os clubes deveriam tomar para se aproveitarem dessas mudanças, financeira e esportivamente.
Primeiro aspecto que precisa ser lembrado é o de que o futebol é um negócio. Acostumamos a ver os dirigentes tratá-lo de maneira apaixonada e amadora, mas é um negócio. Negócios também precisam de paixão para prosperarem. Nenhuma empresa saiu do chão sem que seus fundadores fossem apaixonados por sua criação. Os que não nasceram assim ficaram pelo caminho. Criar, crescer, inovar, conquistar. Verbos de quem trata o negócio com o necessário amor para que seja eterno não apenas enquanto dure, e sim que dure eternamente.
Mas amor não enche barriga, então a visão apaixonada é necessária mas sozinha não prospera. É preciso profissionalismo e uma visão pragmática, que impulsione e freie na hora certa, que arrisque na medida, e que tenha os pés no chão. Pesos e contrapesos. Paixão e profissionalismo.
Nesse sentido, o futebol brasileiro precisa de mais frieza e menos amor. Um negócio que precisa cortar na carne, mesmo que isso possa significar algumas perdas.
Não há espaço para os campeonatos estaduais como os conhecemos até hoje. Esqueçam o romantismo dos anos 60, 70, 80. Aquilo acabou. A Portuguesa e o América acabaram. Os campeonatos estaduais existiam porque o Brasil é grande e porque as demandas eram outras, a oferta de informações era limitada. O Bairrismo deixou de ser preponderante. Hoje a imprensa é nacional, os torcedores estão espalhados pelo país, os clubes dos interiores só atraem torcida quando jogam suas partidas caça-níqueis contra os grandes. Nacionalizamos.
E também internacionalizamos, de certa forma. Me lembro do tempo em que a imprensa do Rio de Janeiro fazia lobby por determinado jogador, enquanto a de São Paulo fazia por outro, e vinha a de Minas gerais e do Rio Grande do Sul reclamando que esqueceram de alguém de seus estados. Os atletas hoje são vistos por todos e a Seleção Brasileira vai buscar seus convocados mais fora que dentro do país.
O primeiro movimento para a evolução do futebol brasileiro é diminuir os estaduais, excluindo os clubes que disputam as séries nacionais e transformando-os em séries de acesso. Não dá para Cruzeiro, Grêmio, Flamengo, Corinthians jogarem 3 meses e meio para públicos pequenos, fazendo jogos que só trazem risco, em torneios onde todos já sabem o que acontecerá. E quando não acontece virá lenda e traz um enorme prejuízo à preparação dos clubes.
“Ah! E a grana da TV?”. Ora, ela existe porque existe o campeonato. Ao deixá-lo para trás os clubes podem e devem renegociar suas cotas. E para a TV é certo que vale mais ver “Fluminense versus São Paulo” que “Madureira versus Vasco”. O dinheiro da TV virou uma muleta que atrapalha o calendário e o negócio.
Dito isso, o Brasileirão precisa durar o ano todo. Assim os clubes terão Janeiro e parte de Fevereiro para se prepararem, terão os jogos espaçados aos finais de semana, tempo de preparação e recuperação. Isto significa chance de melhor qualidade de jogo. Além disso, com o campeonato começando antes, o dinheiro da TV entrará antes, pois a partir de 2019 terá que esperar Maio. Lembrem-se que a maior parte das cotas virá da exposição dos clubes através da transmissão de jogo, do pay-per-view e do desempenho. Logo, o campeonato começando antes, o dinheiro entra antes.
Ao lado disso teremos as Copas do Brasil e Libertadores, que podem ser jogadas ao longo dos meios-de-semana. E isso tende a reduzir a necessidade de escolha entre as competições. Desconcentradas no calendário, as competições não se sobrepõem, o que tem feito os clubes tomarem decisões de abandono do Brasileiro muito cedo. Inclusive, a partir do ano que vem essa decisão terá impactos financeiros, pois parte do dinheiro vem da performance e parte da exposição. Times mal colocados e desinteressados acabam o campeonato mal colocados e não tem jogos transmitidos pela TV.
Sem contar que ainda haverá espaço no calendário para eventuais jogos contra europeus, quando esses estarão em pré-temporada. Mas esta é a cereja do bolo, não o essencial.
Calendário mais espaçado tem outro efeito positivo, que é a possibilidade de ter elencos mais enxutos. Com jogos mais espaçados ao longo do ano os atletas terão mais tempo para recuperação, se contundem menos pelo esforço menos concentrado, há mais tempo para preparar os jovens. Tudo funciona melhor. E isto significa precisar de elencos menores.
Desta forma, teríamos claramente 4 grandes produtos nacionais: o Campeonato Brasileiro em suas 3 séries nacionais, jogado de Fevereiro a Novembro; Copa do Brasil e Libertadores espalhadas ao longo do ano, junto com a Sulamericana, de forma a ter as emoções dos jogos eliminatórios, que tanto agrada a TV.
Aliás, não é à toa que a TV passou a sinalizar a necessidade de mudança no calendário. O produto que ela paga tão caro perde qualidade a cada ano. Seja porque o jogo tem piorado, seja porque clubes se desinteressam do campeonato nacional para ficar nas copas. A TV é um grande catalisador das mudanças que precisam vir, mas que pela inércia dos clubes nunca chegam. Obviamente que não precisamos aqui nem em qualquer lugar seguir cegamente o que a TV pensa e quer. O bom de ter alguma idade e memória é que lembramos de coisas e situações, como as tantas vezes que a TV tentou acabar com o campeonato brasileiro em pontos corridos e retornar com os Mata-matas, o que seria um enorme retrocesso. De qualquer forma, o reforço da Copa do Brasil é uma forma de compor suas demandas, com campeonato longo e copa ao mesmo tempo.
Os mais puristas devem perguntar: “O Estaduais devem acabar?”. Não necessariamente. Eles precisam se adequar à realidade. Podem ter jogos o ano todo e servir como base para uma Série D nacional, que muda anualmente para abarcar os clubes dos Estaduais conforme desempenho. Divisão “semi-profissional”, que serve para formar atletas e para respeitar a realidade financeira e esportiva da grande maioria dos clubes brasileiros.
Esta mudança é fundamental para que o futebol brasileiro de clubes dê mais um passo em direção à profissionalização de fato. Teve início com a adoção dos pontos corridos, mas que ficou parado desde então. Já passou da hora de termos uma nova alteração, que isoladamente não vai mudar completamente nosso futebol, mas será mais uma peça que permite à engrenagem funcionar melhor, até que possamos trocar o mecânico pelo digital.
Depois disso vem a profissionalização dos clubes, com a separação entre futebol e social, tornando-se empresa. Daí, com mais governança, há espaço para mais dinheiro chegar ao esporte. Calendário, profissionalização, governança, dinheiro e isto significa um jogo melhor, mais qualidade em campo. E estaremos prontos para internacionalizar a marca “Futebol Brasileiro, o Campeonato dos Futuros Craques Mundiais”.
Mudanças necessárias para que o futebol brasileiro ressurja forte. Desde o famigerado “7 a 1” falamos em mudanças, transformações, melhorias. Precisa sair do discurso e ser colocado em prática.