Créditos da imagem: Reprodução / The International Scholar
No último Domingo tive uma conversa com o Carlos Eduardo Éboli no CBN Esportes, quando falamos sobre os impactos do Brexit no futebol. O tema veio por conta da saída do Reino Unido do bloco da União Europeia, e isso alterou o acesso de qualquer profissional ao mercado de trabalho do reino, e no futebol não seria diferente.
A Football Association (FA), que comanda o futebol na Inglaterra divulgou as regras que passaram a valer a partir de 1º de Janeiro de 2021, data em que o Brexit entrou em vigor. De forma resumida, foi instituído um sistema de pontuação para que o atleta tenha direito a obter um visto de trabalho no país. Para ter permissão para atuar nas competições inglesas (Premier League, Championship, Terceira e Quartas divisões) o atleta precisa somar ao menos 15 pontos. Se obtiver entre 10 e 14 tem o direito a uma análise especial, mas se atingir menos de 10 pontos não terá direito ao visto.
Antes da tabela de pontuações, há uma espécie de “passe livre” para os atletas que atuarem por suas seleções nacionais. Mas não para todas. Veja na tabela abaixo a atribuição do passe livre, que é uma relação entre o ranking da seleção na FIFA e a quantidade de convocações no período de 1 ano.
Quem não tem Passe Livre pode receber alguma pontuação na composição total que precisa atingir os tais 15 pontos.
A partir daqui tudo passa a ser considerado em função da liga onde o atleta joga. O mundo foi dividido em 6 blocos, e a pontuação é mais generosa do Grupo 1 para o Grupo 6. Contam como fator de pontuação:
- Minutos disputados na competição nacional;
- Minutos disputados na competição continental (para grupos 1 a 3);
- Colocação final na competição local;
- Colocação na competição continental (para grupos 1 a 3);
- Percentual de presença na lista de inscritos por partida da competição continental.
E quais são esses grupos? Vamos lá:
A divisão indica que atletas que atuam nas 4 principais ligas além da Premier League terão maior facilidade de obtenção de visto. Por exemplo, atleta da Bundesliga recebe 12 pontos. Basta então ter jogado 30% das partidas da competição para receber outros 6 pontos, e com 18 já está apto a jogar na Premier League.
No caso de um atleta que atua no Brasil, ele recebe 8 pontos de partida, e precisa então atuar pelo menos 80% dos jogos na Série A para receber 7 pontos e atingir os 15 necessários.
Agora, um atleta da Segunda Divisão francesa recebe 6 pontos. Mesmo se ele atuar 100% do tempo na competição receberá outros 6 pontos, de forma que com 12 pontos não está automaticamente apto a obter o visto de trabalho.
Impactos no mercado da bola
São muitos e precisamos listá-los com atenção. Mas antes é fundamental entendermos a dinâmica do mercado pré-Brexit.
Sempre houve uma restrição a atletas estrangeiros, que precisavam ter atuado por suas seleções nacionais para obter direito a atuar nas competições inglesas. Exceto para os comunitários, que tinham o tal passe livre.
Isso fazia com que os clubes ingleses da Premier League, mas também da Championship (a segunda divisão inglesa) acessassem uma vastidão de mercados. Poderiam contratar croatas, poloneses, sérvios, dinamarqueses, suecos, sem restrições.
Com mais dinheiro que a média de clubes de outras ligas, os ingleses poderiam escolher e geralmente eram preferência de muitos atletas, que sonham em disputar a Premier League. Restava aos clubes das demais ligas brigar por esses atletas, muitas vezes tendo que pagar mais caro por eles, ou ficando com opções menos óbvias.
Agora não. Com as restrições impostas pela FA, as outras 4 grandes ligas passam a ter acesso facilitado a esses atletas. Isso tende a significar que essas ligas buscarão atletas comunitários que antes migravam para a Premier League e também para a Championship. Entretanto, significa que pode diminuir o espaço para atletas não comunitários, como os brasileiros e argentinos, que numa avaliação semelhante à de um croata, tendem a ser refutados.
Ou seja, agora a tendência é de que apenas atletas de nível mais alto chegarão ao mercado das 4 grandes ligas ex-Premier League.
Ao mesmo tempo, surge uma oportunidade muito interessante, que é justamente o Brasil passar a ser um mercado de captação para os ingleses. Muitos clubes, especialmente da Championship, buscavam atletas na segundas divisões da Alemanha, Espanha e especialmente da França. Com as restrições impostas haverá poucas opções disponíveis nesses mercados, enquanto o mercado brasileiro passará a ter acesso facilitado.
A empresa de scouting inglesa ai abacus fez uma avaliação sobre os mercado internacionais e apontou a quantidade de atletas que atingiriam os 15 pontos necessários para acessar as competições inglesas. São esses os números:
- LaLiga (Espanha): 395 atletas
- Ligue 1 (França): 376
- Bundesliga (Alemanha): 369
- Seria A (Itália): 329
- Super Lig (Turquia): 301
- Primera Division (Argentina): 252
- First Division (Bélgica): 243
- Primeira Liga (Portugal): 236
- Eridivisie (Holanda): 235
- Série A (Brasil): 217
Já a Segunda Divisão francesa, que ajudou o Leicester City a formar a equipe campeã inglesa de 2015/16, teria apenas 14 atletas aptos a serem transferidos.
Note, portanto, que o Brasil passa a ter um canal direto que deve ser melhor explorado. Porque a negociação de atletas é parte do negócio, seja no Brasil, seja na Europa. Ser eficiente nesse processo, com boa formação e capacidade financeira que permita negociá-los por valores maiores é fundamental. A construção de um bom relacionamento com equipes que podem ser um acesso direto, no lugar de precisar usar mercados de passagem, é um caminho interessante para maximizar resultados, para o clube e para o atleta.
Categorias de Base
Mas não é só na equipe profissional que houve mudanças. Na base também, e as regras são semelhantes, porém com uma diferença fundamental: os clubes só podem contratar 6 atletas entre 18 e 21 anos por temporada, desde que atinjam os 15 pontos.
O objetivo é fortalecer o desenvolvimento de atletas locais. Em compensação, reduz um importante espaço para novos atletas de fora da Inglaterra chegarem e se desenvolverem.
A estratégia da FA de valorizar a formação local corre riscos com esta limitação no Sub21. Afinal, parte do processo de desenvolvimento inclui o intercâmbio com outras formas de jogo, outras culturas esportivas. Limitar o acesso a essas culturas na base pode significar limitações à formação. Este, inclusive, foi um posicionamento de Jurgen Klopp, treinador do Liverpool, quando indagado pelo Daily Mail sobre a mudança. A conferir.
Medindo os Impactos na Premier League
Segundo estudo do CIES Football Observatory de Abril/20, os clubes das 5 maiores ligas do mundo do futebol recrutam seus atletas fora da liga de origem, e a Premier League é uma das que faz mais uso dessa estratégia.
No gráfico acima vemos 3 origens de atletas e os dados para as Top 5 ligas consolidadas e da Premier League. A Promoção representa os atletas que vieram da própria categoria de base, enquanto a Base 3ºs são atletas recrutados de categorias de base de outros clubes. Para finalizar, as Contratações representam efetivamente atletas cuja primeira partida profissional foi feita fora da liga em análise.
Ou seja, na Premier League apenas 17,3% dos atletas tem origem nas categorias de base do clube em que estreia, enquanto 29,1% são contratados de outras categorias de base (local ou internacional) e 53,5% tem origem fora da competição inglesa. Estes são os números impactados pela nova regra trabalhista de futebol na Inglaterra. Espera-se, portanto, que o percentual de Promoção aumente e que haja redução nas outras duas linhas, especialmente na de Contratações.
Em termos de origem dos atletas, Holanda, Bélgica e Portugal são as maiores fontes, com 44% do total de atletas da Premier League tendo vindo dessas competições.
Não por acaso as três são consideradas Grupo 2 e estão na segunda maior faixa de pontuação para obtenção do visto de trabalho.
Para se ter uma ideia de relevância do Brasil nas 5 maiores ligas, o país não está entre os três maiores da Premier League, mas é o 3º em LaLiga (10 atletas e 8,7% do total), 3º na Ligue 1 (13 atletas e 9,9% do total) e 2º na Série A (22 atletas e 11,2% do total). Ou seja, são mercados que absorvem bem mais atletas oriundos diretamente do futebol brasileiro que a Premier League. Fica a atenção, pois são mercados que podem focar nas oportunidades deixadas pela Premier League.
Ao final, sabemos que negociar atletas nunca é o ideal, mas além de necessário é parte do negócio. O ideal é conhecer a indústria e seus movimentos, de forma a ser protagonista e não refém das condições de mercado. Isto só é possível se os clubes tiverem solidez financeira, mas especialmente se conhecerem e entenderem a dinâmica do mercado, no lugar de ter que recorrer a agentes e intermediários para fazer o trabalho de prospecção de oportunidades, seja para a contratação como para a cessão do atleta.
Esta função, que deveria ser do Diretor Técnico – no Brasil chamado de “Executivo de Futebol” – mas cujo trabalho ainda é um mistério, que estou desvendando e trarei em breve, comparando com o que se faz na Europa.
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