Créditos da imagem: Globo Esporte
SJFC – ou “do que são feitos os grandes” – ou “se não aguenta, bebe leite”
Aprecio muito a carreira do músico inglês Peter Gabriel. Gosto, essencialmente, da forma como faz pop sem se render ao convencional. Além disso, não raro conta histórias interessantes. Uma delas fala sobre um ritual de iniciação apache, em que o jovem é picado por uma serpente e deixado só. Se sobreviver, será considerado um bravo. É a lenda de San Jacinto – suposto nome da colina do isolamento. Essa canção me veio à cabeça quando Hernanes declarou, após seu time perder para o Fluminense, que no São Paulo uma vitória é o suficiente para que tudo pareça superado. Está certo. A torcida canta eufórica. Os dirigentes voltam a promover voos da alegria. E os jogadores (que já não são grande coisa) relaxam. Assim têm sido há mais de cinco anos, especialmente depois do golpe estatutário de Juvenal Juvêncio. É como se, no lugar de uma cobra, o índio da música fosse picado por um pernilongo.
Não era desse jeito quando o garoto Hernanes chegou ao tricolor. Ainda sub-20, foi responsabilizado pela bola perdida que iniciou a vitória corintiana na final da Copinha de 2004. Mas persistiu para colocar seu nome na lenda de títulos, como em 2007 e 2008. Assim como terminou 2009 massacrado, superando os apupos em digna campanha na Libertadores do ano seguinte. Negociado, logo ganhou respeito no futebol italiano – inclusive mantendo o apelido de profeta. Quem também viveu aqueles dias de provações foi seu colega Diego Lugano. Desembarcou sem saber chutar uma bola e, sem moleza, ganhou idolatria até superior a seu futebol. Na mesma época de sua chegada, o talentosíssimo Kaká sofreu críticas e vaias muito além do razoável. Algumas eram puro recalque. Mas foi esse inferno que acabou fortificando a base mental que o levaria a ser o último brasileiro a ganhar a Bola de Ouro – sem prejuízo das conquistas pelo Milan. O veneno recebido o tornou mais que um jogador promissor. Fez dele um craque.
Nem todos os talentos são-paulinos tiveram, entre 1994 e 2005, a mesma fortuna. Alguns despareceram com a fúria das cobranças. Outros tiveram boas carreiras, mas distantes do que poderiam fazer – vide França, feliz até como reserva no Japão. Faltou um pouco de sorte. Mas faltou também personalidade para aceitar, sem autoindulgência, que fazer parte de um time grande é isso. Nem todas as críticas serão construtivas. Muitas serão estúpidas e até mentirosas. Porém, passar por elas não apenas faz parte da carreira, como é fundamental para que sejam memoráveis. Ninguém pode ser considerado grande jogador sem ouvir que “nunca foi tudo isso”. Vocês acham que, quando a seleção deu vexame em 1966, imprensa e torcida pouparam Pelé? De jeito nenhum. Rei mesmo era Eusébio. O santista só jogou bem em 1958 e em 1962 ficou bichado. Chegou um ponto em que Pelé pensou mesmo em abandonar a seleção. Voltou atrás e se consagrou de vez em 1970. Talvez a história fosse outra se tivesse ouvido “o campeão voltou” na primeira vitória.
Não tem sido diferente com os melhores da atualidade. Há duas semanas, queriam o sangue de Lionel Messi. Na Copa de 2010, Cristiano Ronaldo ouviu que se preocupava mais com o cabelo que em jogar. Neymar ora vai ser o número 1, ora é um moleque imaturo. O segredo deles é deixar que os outros (fãs ou espectadores menos alucinados) se irritem e seguir em frente, até aparecer a oportunidade de devolver os insultos na bola. Reclamar de perseguição é que não vai resolver nada, mesmo. Enquanto isso, no Morumbi, este cenário parece ficção científica. Há quinze anos, o São Paulo podia ganhar dez jogos seguidos sabendo que, na primeira derrota, a torcida chamaria todo mundo de pipoqueiro. Justo? Não. Mas normal num clube destas dimensões. Um clube que se fez grande comemorando títulos, em vez de permanência na primeira divisão. Já repararam que a torcida do Real Madrid é considerada muito mais chata que a do rival Atlético? Vendo o número de títulos de um e de outro, não é difícil entender.
Torcedores exigentes – quiçá insuportáveis – são o preço da grandeza. Se um clube grande viver dias de calmaria, quando o natural seria tormentas e furacões, é sinal de que tem algo muito errado acontecendo – ou encolhendo. Hernanes teve a coragem de dizer o que viu, em vez de se fazer de “ponderado”. Não é como vozes da internet que, por interesses pessoais, decretam que “é hora de apoiar, não de criticar”. São eles que, ao lado da imprensa chapa-branca, tornaram o São Paulo Futebol Clube um ritual que, no lugar de bravos, gera bobos alegres e fracos. Como disse meu alterego Danilo Mironga no FOMQ, já não é Síndrome de Estocolmo, nem Copenhagen. É de Neugebauer. Qualquer coisa açucarada (a bola da vez será o retorno de Kaká, hoje ex-jogador em atividade) anima um gigante apequenado. Resta saber o que os torcedores escolherão: ouvir o profeta ou seguir acreditando em duendes…
Muito bom Gus .
Eu admiro muito as características psicológicas de quem simplesmente consegue não se abalar com um caminhão de críticas e, mais, ainda se agranda nesses momentos! Como você bem colocou, essa espécie de “autismo” é fundamental para alguém conseguir prosperar no esporte de alta competição, que é algo que exige muito mais do que só talento…
100%, o São Paulo sempre se acomoda com facilidade, por isso caiu tanto nos últimos tempos!!!!!!!!!!!!!! Nunca precisa dar resposta de nada!!!!!!!!!!!!!!