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O turista que não veio a passeio
Na mesma época em que o Flamengo pensou em trazer Ballotelli, também causou estranheza a contratação de um zagueiro da segunda divisão espanhola. Sim, o espanhol Pablo Marí tinha contrato com o Manchester City, mas sem perspectiva de jogar pelo clube. Guardiola não pensou nele nem para o banco. Preferiu adaptar Fernandinho. Aliás, Marí nem era a primeira alternativa do Flamengo. Porém, era o que tinha de viável com os seguintes requisitos: canhoto, jogar pela esquerda e saber se posicionar adiantado – lacuna crônica de zagueiros nacionais. Foi tão melhor que a encomenda que, um semestre depois, estará num time da Premier League. Desta vez, de verdade.
Difícil cravar se foi observação de mestre ou dose de sorte. O fato é que as dificuldades de adaptação foram mínimas. Atuar com um técnico europeu atenuou a parte tática, mas a falta de bagagem contra atacantes locais era um obstáculo e tanto. Não por acaso, cometeu erros nas primeiras antecipações. Por outro lado, mesmo com passada pouco veloz, não foi driblado nos cinco jogos que fez pela Libertadores. Fruto daquilo que, ao lado do desempenho pelo alto, diferenciou seu futebol: senso de colocação e capacidade de ler a jogada do adversário. Com isso, não precisa dar piques desesperados para se recuperar da desvantagem inicial, como Kevin Costner se jogando para salvar a atriz-cantora na noite do Oscar. Tentem imaginar Rodrigo Caio, Dedé e outros “monstros” mal-colocados dando carrinhos heroicos ao som de “I Will Always Love You”…
Falando em Rodrigo Caio, a presença de Marí foi um bom suporte ao colega brasileiro. Justamente porque, com o espanhol sendo o pilar da zaga, aquele ficou dispensado desta responsabilidade. Pôde dar seus piques e carinhos (“and I…”) quase impunemente. Quase, porque os jogos contra River Plate e – principalmente – Liverpool mostraram que, num ritmo mais forte, não há pulo na frente da Whitney que resolva. Roberto Firmino eliminou a chance de Rodrigo atuar numa equipe europeia de ponta. Em compensação, a segurança de Marí colocou em xeque a ausência de oportunidades em Manchester. Vejam bem: não se trata de culpar Rodrigo Caio pela derrota contra um time superior. É questão apenas de entender por que um tem o padrão e o outro, por mais que tenha se esforçado e evoluído (contra minhas estimativas), não chegará a tanto.
Verdade seja dita: a chance de jogar no Arsenal muito se deve à incompetência do clube inglês. Tanto financeiramente (torrou dinheiro e agora não pode fazer contratações vultosas, por força do Fair Play) quanto em planejamento. É o panorama que autoriza a diretoria e o técnico Arteta a acreditarem que a atuação no Catar foi mais que superconcentração. Precisam apostar que Marí não sentirá a diferença brutal de ritmo e mostrará a técnica que falta ao discutível Mustafi. Este último, lesionado, é a deixa para que os torcedores gunners se valham do velho argumento de que “pior que fulano não pode ser” – que não raro vira uma descoberta de que pode, sim. Marí ainda precisará de uma preparação intensiva, já que volta de férias. Enfim, não é o cenário dos sonhos, mas ao menos é um cenário. Sem ele, no máximo atrairia outra equipe menor da Espanha.
Seja qual for seu futuro em 2020, Marí já tinha entrado para o restrito rol de europeus que fizeram História no futebol brasileiro. Agora tem lugar único na galeria de quem veio, viu, venceu e voltou ao Velho Continente maior do que era. Assim parte o apóstolo Pablo, levando os ensinamentos do Mister Jesus a Londres, num time que anda mesmo precisando de uns bons milagres. Boa sorte a ele. Pelo que ensinou aos comentaristas sobre o que é ser um bom zagueiro sem sujar o uniforme, merece. Para quem insiste em menosprezar seu futebol, deve ter reprise de O Guarda Costas em algum streaming por aí. Neste caso, foi mal pelo spoiler…
Texto que faz justiça a um zagueiro sóbrio e discreto dentro e fora de campo. Que tenha sucesso na Inglaterra, onde o desafio promete ser ainda maior.
muito bom