Créditos da imagem: Paul Miller/ AFP
Faz muito tempo que não mando um texto ao site No Ângulo. A saúde vai bem, mas o trabalho e os assuntos do FOMQ tomaram minha atenção. Além do fato de que estava difícil focar apenas num assunto. Hoje vou tentar corrigir isso comentando um tema que, nas conversas internas do site, sempre proporcionou divergências e convergências. Um jogador dos mais brilhantes da História dos boleiros nacionais. Porém, em meio a tantas expectativas, episódios polêmicos e decisões controversas, talvez o mais antipatizado dos craques brasileiros. Hoje tem Ney Day na coluna. Mais especificamente, o que aconteceu com sua carreira desde o “oui” até o “au revoir” ao PSG.
A decisão de deixar o Barcelona tem prós e contras discutidos até hoje. A razão quase oficial, tal a repetição nos bastidores, é a de que Neymar se magoou com a repercussão da remontada histórica sobre o próprio clube francês. Talvez seja o único jogo da carreira de Messi em que, percebendo um colega numa noite assombrosa, abriu mão de suas responsabilidades – em favor de Neymar. Este marcou de falta, de pênalti e ainda fez o cruzamento do sexto gol. Mas os jornais catalães preferiram colocar a foto da vibração do argentino na capa. Coincidência ou não, a partir destas manchetes a concentração de Neymar murchou pelo resto daquela temporada. Ambicioso, mas ao mesmo tempo respeitando o ídolo e amigo, viu que só em outro time conseguiria ser o principal personagem de uma história vencedora.
Talvez informados sobre a frustração pessoal de Neymar, os dirigentes franceses prepararam um pacote para seduzi-lo. Neymar aceitou, a multa foi paga e o brasileiro estreou em Paris mais concentrado do que nunca. A euforia era tanta que sua equipe nem atentou ao risco contido em outra contratação. Mbappé chegava como revelação para auxiliar no protagonismo do “menino Ney” (apelido que só o prejudicou). Não sei se o staff de Neymar teria poder para tanto, mas poderia ter trabalhado na tentativa de evitar um futuro choque de egos. Claro que a confiança no potencial do brasileiro era grande demais para tal cuidado. Davam como certo que era questão de tempo para o topo individual do mundo ser dele. Com Messi e Cristiano Ronaldo supostamente na fase final da carreira, o que poderia dar errado? Pois é…
Uma das oportunidades da mudança era a de amadurecer. O começo não foi promissor, mas a cizânia dos pênaltis com Cavani se resolveu amigavelmente. Mais adiante, voltou da primeira grande lesão na Copa do Mundo da Rússia – a que seria o passaporte para os prêmios The Best e Bola de Ouro. Porém, sua imaturidade assustou o mundo mais que suas jogadas. Primeiro, o descontrole com o capitão Thiago Silva. Depois, as encenações que o tornaram alvo de chacotas e abalaram o respeito ao jogador. Até, ou principalmente, entre brasileiros. Quando atuava no país, muitos torcedores o odiavam por simular e cavar expulsões. Pior: com a benção da Globo, onde Galvão e Arnaldo intimavam a arbitragem a protegê-lo. Ironicamente, a partir de 2018, o “vendedor de emoção” seria seu grande desafeto na mídia, com o mesmo histrionismo.
Como atacante aberto pela esquerda, Neymar era mais que completo. Fazia o jogo pela extrema, tinha desenvoltura na área e formava linha de marcação – aquilo do qual esperava ser dispensado na França. Mas outra mudança havia pintado. A seleção francesa venceu o que seria a Copa do Ney. A revelação Mbappé se firmou como realidade. Adivinhem só: gostava de jogar vindo da esquerda. Com status ainda alto, mas reduzido, Neymar passou para o meio do ataque. Aparentemente, um ponta de lança, mas buscando a bola atrás. Não era – e ainda não é – sua maneira natural de atuar. Com a tendência de conduzir a bola até a frente, passou a ser alvo de mais faltas duras na região neutra do campo. Isso num centro de arbitragem permissiva com jogo violento. Menos leveza para escapar, mais contusões sérias.
Depois de um 2019 em que escapou de uma trama criminal rocambolesca, em 2020 veio a chance de conquistar a Champions League pela segunda vez. Seria o golden ticket para premiações pessoais, mas o doce final foi para o Bayern e seu artilheiro Lewandowski. Na temporada seguinte, a eliminação para o City mostrou um PSG que não conseguia, em nível europeu, dominar os grandes adversários. Seria a deixa para buscar clube mais tarimbado e estável. Ficou pela vantagem financeira e viu a chance de, por obra do acaso, voltar a atuar com Messi. Comentaristas de araque deram o PSG como óbvio papa-tudo com a dupla ao lado de Mbappé. Faltou combinar com os furos táticos, as dificuldades físicas de Messi e, surpresa, mais lesões em Neymar. Isso em meio a boatos de que Mbappé, agora astro principal, não o queria mais na equipe.
Calma, vai acabar daqui a pouco. A Copa do Catar seria no fim de 2022, permitindo aos maiores craques chegar em melhor estágio físico. Tal como Messi e Mbappé, Neymar estava em ótima forma. Contudo, já estava encaixotado na estreia (deméritos de Tite) quando lesionou o tornozelo. Sabe-se lá como, retornou. Em meio às dificuldades contra a Croácia, seu talento proporcionou o golaço que posteriormente levaria o Brasil, no multiverso que nossos comentaristas também amam, a bater a Argentina e desbancar Mbappé na final. Mas, novamente, esta realidade não foi generosa. De volta ao PSG, outra lesão para sepultar a temporada. Sair para outro clube europeu era a lógica. Agora faltava combinar com os outros clubes para arcarem com uma multa altíssima – já que o contrato iria até 2027.
Estranhamente, num recesso importante para redefinir rumos, Neymar foi curtir a vida e seu pai-empresário não pareceu muito ativo. Tanto que jornalistas já teorizavam que o melhor mesmo era permanecer no PSG, quem sabe com Mbappé fora. Ocorreu o inverso. As notícias da imprensa francesa eram corretas – o que indica que realmente alguém de dentro vaza tudo. Quem estava fora dos planos era Neymar. Nem por isso o PSG pretendeu liberá-lo “de graça”. Assim, foi-se a esperança que o Barcelona tinha de trazê-lo – contra a vontade de Xavi, que teria dificuldades para encaixá-lo onde tem jogado. Ninguém da Premier League se interessou. Além das lesões, Neymar pelo centro não convence como convencia pelo lado. Não que não seria bom por ali. Seria, mas não à altura do que custaria.
O que se conclui? Que a ida para o Sauditão se tornou inevitável pelas circunstâncias. Como explicado pela jornalista Clara Albuquerque, o PSG não aceitaria ficar sem ganhar nada com Neymar e Mbappé. Um dos dois teria que sair por muito dinheiro. Com o francês recusando propostas num contrato que acaba ano que vem, restou convencer Neymar de que é mesmo fim da linha na Cidade-Luz. Feito isso, somando-se ao desinteresse de atleta e equipe na busca por outro destino entre maio e semana passada, nem dá para chamar de escolha a palavra derradeira de Neymar. Foi apenas um melancólico “é o jeito”.
Na próxima coluna – podem cobrar – falaremos de Neymar e seleção pos-2022. Vale a pena? Para quem? Aguardem.