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Vasco e o risco de rebaixamento no STJD
Como de praxe, os clubes da zona da confusão já se mobilizaram atrás de falhas jurídicas nos adversários. Eis que o Vasco, tão conhecido por este papel nos tempos de Eurico, agora é quem fez um erro – quase – digno de Lusa (este ainda insuperável em grosseria). O pivô do problema é o atleta Clayton, que já foi relacionado pelo Bahia e pelo Atlético Mineiro para partidas do Brasileirão, antes de ser emprestado ao clube carioca. Assim como naquele caso, já estão tentando encontrar interpretações amigas, mas atentem ao artigo 11 do Regulamento Específico do Campeonato Brasileiro:
Artigo 11 – Um atleta poderá, após o início do Campeonato, se transferir para outro clube da Série A, desde que tenha atuado em um número máximo de 6 (seis) partidas pelo clube de origem, sendo permitido que cada atleta mude de clube apenas uma vez.
Observem: o final do artigo é bastante claro no sentido de que, em termos de Campeonato Brasileiro, um atleta só pode ser relacionado por dois clubes no decorrer da competição. Por ser específico em relação ao campeonato, o dispositivo prevalece sobre o artigo 46 do Regulamento Geral das Competições. Este só pune caso o atleta efetivamente atue (entre em campo) pelo terceiro clube. Porém, reitero, vale a norma especial sobre a geral. Norma especial esta que já considera irregular, dentro do campeonato, a simples mudança de clube.
Sendo assim, o Vasco não poderia sequer relacionar o atleta para jogos do Brasileirão. Isso porque ele já havia sido relacionado pelo Bahia e também pelo Atlético Mineiro (no caso, duas partidas) para confrontos do aludido campeonato.
Mostrando-se inequívoca a irregularidade, cabe definir o artigo ao qual o Vasco estaria sujeito. Não vejo tipificação mais adequada que a do artigo 214 do CBJD que estabelece o seguinte:
Art. 214 – Incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente.
PENA: perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
§ 1º Para os fins deste artigo, não serão computados os pontos eventualmente obtidos pelo infrator.
§ 2º O resultado da partida, prova ou equivalente será mantido, mas à entidade infratora não serão computados eventuais critérios de desempate que lhe beneficiem, constantes do regulamento da competição, como, entre outros, o registro da vitória ou de pontos marcados.
§ 3º A entidade de prática desportiva que ainda não tiver obtido pontos suficientes ficará com pontos negativos.
§ 4º Não sendo possível aplicar-se a regra prevista neste artigo em face da forma de disputa da competição, o infrator será excluído da competição. (NR).
Então, além de 3 pontos por jogo com Clayton relacionado, o Vasco pode perder o que conquistou nas partidas. Sim. Embora a redação do § 2º seja tortuosa, era a mesma vigente no caso Lusa-Héverton, em que o clube perdeu também o ponto do empate. Ou seja: o Vasco, sem prejuízo de 3 pontos por partida em que o atleta foi relacionado, também teria retirados de sua campanha os pontos conquistados.
Neste ponto, cabe atentar ao prazo de prescrição: uma vez que ainda não consta nenhum inquérito a respeito, por ora (considerando a data de hoje) o Vasco só poderia ser processado por cinco partidas, a começar pelo empate com o CAP. Isso se dá porque o prazo de prescrição é de sessenta dias a contar do fato irregular. Sob tal contexto, atualmente o risco vascaíno é de perder 15 pontos pelas partidas e os 5 pontos conquistados nelas.
Quais seriam as possíveis defesas do clube? Vejo duas:
1 – o jogador não atuou pelo Atlético Mineiro.
Objeção: repetindo o que foi dito acima, isso é irrelevante. No que tange à mudança para um terceiro time dentro do Campeonato Brasileiro, ela basta para tornar o atleta irregular em cada partida na qual foi relacionado. A não ser que o clube de MG sequer o tivesse colocado no banco de reservas. Neste caso, para todos os efeitos da competição ele teria sido do Bahia e do Vasco da Gama, desaparecendo irregularidade. Contudo, no Galo ele foi relacionado em duas partidas. Portanto, para efeitos de registros no torneio em si, fez parte do Bahia e do Atlético. Não poderia figurar por uma nova equipe.
2 – a CBF autorizou a transferência.
Objeção: a CBF não tem como impedir a transferência e a inscrição no BID, pois há o direito de registrar o atleta como seu empregado e apto para competições fora da égide da entidade. Por exemplo: se o Vasco disputasse uma competição internacional, não submetida ao Regulamento Geral das Competições ou ao Regulamento Específico do Campeonato Brasileiro, Clayton poderia participar normalmente dela. O que tal registro não legitima é a possibilidade de disputar impunemente jogos do Campeonato Brasileiro. Compreender esta distinção é total responsabilidade do clube. Portanto, a tese de boa fé não me parece promissora.
* 3 – não foram duas transferências, mas um retorno de empréstimo e uma transferência por empréstimo.
Em seu artigo 39, o Regulamento Geral das Competições exclui retorno de empréstimo do conceito de transferência. Portanto, como o Regulamento Específico do Campeonato Brasileiro não prevê disposição sobre o assunto, neste caso a regra geral supriria a lacuna e, assim, o jogador poderia ser transferido para o Vasco. Não estaria havendo duas transferências, mas tão somente uma, como permitem as regras.
Objeção: analisemos de novo a redação do artigo 11 do Regulamento Específico.
Artigo 11 – Um atleta poderá, após o início do Campeonato, se transferir para outro clube da Série A, desde que tenha atuado em um número máximo de 6 (seis) partidas pelo clube de origem, sendo permitido que cada atleta mude de clube apenas uma vez.
Como os termos em negrito mostram, o verbo final é outro. Encerra-se o dispositivo dizendo que o jogador só pode mudar de clube uma única vez. A melhor hermenêutica recomenda deduzir que o uso de verbo diverso não é mero capricho linguístico. Teria o objetivo de vedar qualquer mudança de clube, por transferência ou retorno de empréstimo, que viesse a ser a terceira participação por clube diferente no mesmo campeonato. Do contrário, inclusive por segurança jurídica, estaria constando “sendo permitido que cada atleta se transfira de clube apenas uma vez”. O que leva a concluir, mais uma vez, que Clayton não poderia representar três times no mesmo campeonato, de um jeito ou de outro.
Então o Vasco da Gama não tem chances de escapar juridicamente? Juridicamente, não. Judicialmente, sim. Como disse no começo, o erro vascaíno é “quase” tão grave quanto o da Lusa ao relacionar Héverton naquele fatídico fim de Brasileirão-2013. A falha da Portuguesa seria vergonhosa até num torneio colegial. A chance de um conchavo de bastidores seria nula mesmo que se tratasse de um clube maior. O Fluminense bateu um pênalti sem goleiro, a um metro do gol, naquele julgamento. Já a falha vascaína, a despeito de grave, enseja interpretações discutíveis, mas com mais pé e cabeça que os malabarismos sugeridos por “salva-vidas” do Canindé. Não será surpresa, assim, se uma destas interpretações prevalecer.
Em resumo mui resumido: o Vasco errou e deve ser punido conforme interpretação básica das normas aplicáveis ao caso, mas pode escapar (com ou sem duelo dramático em julgamento) com interpretações incorretas, mas não surpreendentes.
PS: lembrando que, a despeito do nome, a Justiça Desportivo não faz parte do Judiciário e, destarte, posso fazer este comentário sem riscos éticos.
* coluna atualizada às 15h de hoje, 19/11/2019.