Créditos da imagem: Reprodução Esporte em Mídia
Diz uma frase da sabedoria popular que “na briga entre o mar e o rochedo, quem sofre é o marisco”. Sabedoria popular merece crédito, sempre. Com base nisso, vamos falar sobre a disputa entre Palmeiras e Globo pelos direitos de transmissão do Brasileirão.
Não, não vou tomar partido de ninguém. Ambos são maiores, vacinados e sabem onde o calo lhes aperta. Mas é importante levantar os diversos aspectos dessa discussão, com olhar meramente técnico. Falta ao Brasil hoje visão de todo, em diversos temas. As análises são feitas sob a ótica e a medida de quem as faz. Vejo pouquíssimas vozes independentes e neutras, capazes de compreender ideias de polos opostos e entender que possam coexistir. Logo viram “isentões”, como se o equilíbrio e o bom senso fossem pragas da civilização. Perdemos todos, os que pensam assim e os que não podem se comportar com neutralidade.
Nessa disputa entre Palmeiras e Globo, todos têm razão, todos deixam dinheiro na mesa e o maior prejudicado é o torcedor. Primeiro vamos tratar do Palmeiras.
A demanda do clube é por ter valores dos contratos de TV Aberta e Pay-per-view idênticos aos de Flamengo e Corinthians, pois seus jogos tem audiência semelhante e porque seus torcedores compram tantos pacotes de PPV quanto os torcedores dos outros dois clubes.
Pelo seu lado, a Globo justifica valores menores no PPV porque diz que há mais torcedores do Flamengo assinando o serviço que de outros times, e igualou o valor mínimo para o Corinthians (18% do montante total de R$ 650 milhões) por uma questão comercial. Havia, ainda, uma penalidade de 20% sobre o valor pago pela TV Aberta para quem havia assinado com a Turner, mas a Globo retirou esta penalidade depois que a Turner decidiu que não transmitirá partidas para o local onde serão jogadas. Menos para o Palmeiras, que não aceita esta condição, tanto que Palmeiras x Internacional foi transmitido para São Paulo.
Isto posto, há argumentos convincentes de ambos os lados. O Palmeiras entende que deve fazer valer sua boa condição de receitas, equilibradas entre diversas fontes, e assinar apenas pelo valor que entende ser o que melhor remunera sua exposição. Já a Globo conta com seus argumentos técnicos e comerciais, além do que acha justo em termos de engajamento de torcedores.
Mas agora farei um papel de advogado do diabo contra esses argumentos, tentando extrair inconsistências, que sempre existem e estão nos detalhes.
Sem antecipar análise dos dados do Palmeiras de 2018, que serão minuciosamente explicados no relatório do Itaú BBA em Julho, vamos falar sobre as receitas do Palmeiras de 2018. No quadro abaixo temos um detalhamento do que chamamos de Receitas Totais e Receitas Recorrentes, quando excluímos a Venda de Atletas e Premiações.
Total | Recorrente | |||
Direitos de Transmissão de TV | 136.724 | 21% | 136.724 | 30% |
Patrocínio / Publicidade / Marketing / Royalties | 100.373 | 15% | 100.373 | 22% |
Bilheteria | 112.508 | 17% | 112.508 | 25% |
Sócio Torcedor | 47.870 | 7% | 47.870 | 11% |
Repasse de Direitos Federativos de Atletas | 169.585 | 26% | ||
Receitas com Clube Social | 51.398 | 8% | 51.398 | 11% |
Receitas Patrimoniais | 0% | 0 | 0% | |
Premiações | 33.104 | 5% | ||
Receitas com Formação de Atletas | 0% | 0 | 0% | |
Outras Receitas | 2.288 | 0% | 2.288 | 1% |
Valores em R$ Mil | 653.850 | 451.161 |
A TV ainda responde por 30% das receitas recorrentes, o que é bastante significativo na formação de resultados do clube. Claro que o novo contrato com a Turner garante um valor mínimo substancial – fala-se em R$ 80 milhões – e que há um potencial complemento caso o clube não assine a TV Aberta com a Globo. Não tenho como avaliar este ponto.
Fato é que o clube hoje perde pouco sem a receita da TV Aberta e do PPV, mas necessariamente acabará tendo que compensar mais com a venda de atletas para manter a posição de receitas totais de 2018 em 2019. Em 2018, sem venda de atletas, a margem obtida do clube foi de 3%, ou seja, custos e despesas foram quase iguais às receitas recorrentes. Logo, menos receitas de TV para custos/despesas semelhantes significa maior dependência por venda de atletas.
Onde o clube mais perde é no relacionamento com o torcedor, o marisco do dito popular. É inegável que a maior parcela dos torcedores acompanha seu clube pela TV Aberta. É uma característica do sistema brasileiro de transmissões. A TV Aberta ainda é muito forte no país. O clube, que já vem sendo criticado pelo aumento nos preços dos pacotes de sócio torcedor, com esta decisão manterá certamente uma boa parcela de torcedores distantes da equipe. Vimos isso nas duas primeiras rodadas, onde inclusive numa delas não houve qualquer transmissão. Voltamos ao tempo do rádio.
Será que todos os torcedores gostaram?
Certamente gostam da ideia de peitar uma rede poderosa como a Globo. Faz parte do imaginário popular ser o Davi a derrubar o Golias. Mas falamos de dois Golias e um deles tem seguidores apaixonados. E que à medida em que o campeonato avance e o time se colocar na condição de brigar pelo título – algo que parece razoavelmente previsível – qual será a reação do torcedor quando o jogo do título passar em branco na TV?
“Ah, mas a Globo também perde”. Claro, sem dúvida. A rede deixa de ter uma gigante na tela, que certamente dá boas audiências e muda o perfil de consumidor que atinge, e isto tem muito valor para o anunciante que paga caro pelas cotas do futebol na TV. Perde nos pacotes de PPV, pois deixa de transmitir jogos e seu produto perde valor, ainda que que nesse caso menos, porque os torcedores dos demais 18 clubes que aderiram ao contrato terão muitos jogos para acompanhar e quem perder mesmo, novamente, é o Palmeirense. E a TV sempre terá a prerrogativa de dizer que terá jogos do clube na Libertadores e na Copa do Brasil, mesmo com concorrência.
Isso tudo sem contar a menor exposição das marcas, que no caso do Palmeiras é uma só, assim como menor exposição das placas de publicidade do Allianz Parque. Tudo isso está na conta de ambos nessa queda-de-braço.
Não defenderei aqui posição de nenhum dos lados. Numa negociação, é justo que ambos tenham pontos de acordo e discórdia e o tempo deveria levar a um equilíbrio. Entendo também que ambos têm trunfos que justifiquem suas posições. Espero apenas que as decisões sejam tomadas de maneira sensata e com visão de longo prazo e pensando também nos torcedores.
Mas, sem deixar de apontar um problema, esta questão apenas mostra que a incapacidade de negociação coletiva dos clubes gera impasses como este, que quebram o conceito de indústria do futebol. Não é por acaso que nos principais campeonatos europeus as negociações são coletivas, que os valores são distribuídos com regras claras, respeitando também relevância e porte dos clubes. Negociações individualizadas levam a impasses individualizados e menor poder de barganha de algumas partes. E o resultado é perda de valor para todos.
Olá Cesar, admiro seu trabalho e do Rodrigo Capelo, gostaria apenas de colocar mais lenha na discussão. Sou Palmeirense e gostaria de realçar alguns pontos:
1) foi mencionado a questão do PPV e acredito(sem base alguma) que o Procon exigirá descontos pela falta de jogos. Matérias do UOL informam que são 2 milhões de assinantes.
2) sobre o impacto do Palmeiras fora da TV.
2.1) Dona Leila está interessada na eleição presidencial e segundo reportagens os conselheiros aptos a votar apoiam o boicote.
2.2) Em números:
a) Se são 2 milhões de assinantes PPV e 6% são palmeirense segundo o IBOPE/Lance de 2018, resultam em 120 mil torcedores.
b) Segundo reportagens, o Palmeiras foi o time mais exibido na TV aberta no Brasileirão de 2018.
https://rodrigomattos.blogosfera.uol.com.br/2018/12/11/rei-da-tv-aberta-em-18-palmeiras-ganharia-maior-cota-por-exibicao-na-globo/
Não está identificado quais praças os 17 jogos foram exibidos. Moro em São Paulo, não lembro de ter visto 17 jogos passando na TV. Não consigo estimar quantos palmeirenses moram em BH ou no Rio de Janeiro em um jogo Palmeiras x Cruzeiro ou Palmeiras x Vasco no Allianz. Acredito que seja mínimo o interesse de palmeirenses mesmo sendo o Palmeiras um time com torcida nacional.
c) A Globo maneja o calendário, o que explica o Flamengo com 13 jogos na TV aberta em 2018? Óbvio interesse comercial em migrar assinantes para o PPV. Na minha opinião de palmeirense injustiçado, ser mais exibido para outros estados no caso da Globo é um desprestígio.
Resumindo: Qualquer negociação exige cuidados, com a Globo(palmeirense injustiçado novamente) ainda mais. Ela pode simplesmente não exibir nenhum jogo do Verdão na TV aberta em SP, exibir jogos do palmeiras apenas em outros estados e obrigar todos a assinarem o PPV.
Como a maioria da população não assina o PPV, na minha opinião o Palmeirense médio, morador de SP continuará não acompanhando o time.
O time da pompéia não ganhará mais pelo PPV, será multado em 20% na aberta e poderá não ter jogos exibidos em SP(maior mercado). Talvez jogos de grande apelo sejam exibidos, talvez se palmeiras não disputar o título seja completamente esquecido.
Desculpe se fui repetitivo, não revisei o texto e perdão pelos erros de português pela pressa.
[…] alguns dias, escrevi sobre a queda-de-braço entre o clube e a Globo. Ontem ela acabou com o fechamento do acordo que permitirá a transmissão das partidas do […]
Thank you very much for sharing, I learned a lot from your article. Very cool. Thanks.