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Jesus é seleção? A falsa solução
As especulações sobre Jorge Jesus na seleção brasileira trazem uma grande oportunidade de evoluir no “técnicos de seleção”. Especialmente em países sul-americanos, onde existe um conceito de que a chave para conquistas é ter o melhor técnico na equipe nacional. O cargo seria, portanto, uma espécie de prêmio simbólico. Ou, em outra acepção, o topo de uma carreira. Mas como se explica que nem Del Bosque, nem Low e tampouco Deschamps, técnicos das três últimas seleções campeãs mundiais, eram considerados os melhores de seus países? Mais: por que os técnicos top não demonstram fazer questão da honraria?
Há quem se apresse a desmerecer o questionamento, creditando a resposta apenas a questões salariais – como se as Federações destes países fossem pobres. Uma certa preguiça para se debruçar sobre o tema e perceber que a explicação pode estar muito além do dinheiro. Passa, primordialmente, pelo trabalho em si. Cada vez mais, o papel de um técnico de seleção é ser pragmático, não brilhante. Falta, acima de tudo, tempo para outra coisa. Especialmente em nosso século. Foi-se a época em que, nas eliminatórias de Copa, o treinador tinha dois meses seguidos para organizar a equipe no sistema de grupos. No ano seguinte, mais dois meses antes da própria Copa do Mundo. Hoje os jogos são espalhados. Dois dias de treino e olhe lá. Para a Copa, poucas semanas e a necessidade de poupar esforços de atletas em fim de temporada europeia. Para mentes mais ambiciosas, é frustrante.
Pois este tempo inexistente para o técnico de seleções é o que se apresenta, em maior e melhor quantidade, aos técnicos que trabalham com os convocados em seus clubes. São estes que, quanto melhores forem, mais contribuirão para um resultado feliz das seleções dos atletas. Em 2008, a chave da conquista espanhola da Eurocopa foi o jogo de toques curtos e controle de posse de bola que seu treinador, Luis Aragonés, não praticava em seus times. Por senso prático, escolheu o Barcelona como time-base. Em 2010, foi Del Bosque, outro que nunca usou tiqui-taca, que aproveitou o sucesso de Guardiola. Mais adiante, a Alemanha de 2014 se valeu da junção dos trabalhos de Heynckes (Bayern), Klopp (Dortmund) e do próprio Guardiola (Bayern). A tarefa do técnico de tais seleções, neste contexto, foi muito mais manutenção que construção. Os atletas já chegaram – muito – bem treinados.
A própria História do futebol brasileiro, inclusive em tempos com longo período para treinar, não sugere esta correlação entre melhor treinador e seleção. Vicente Feola sequer era técnico propriamente dito. Tal como Carlinhos no Flamengo (fim dos anos 80 e início dos 90), foi constantemente treinador interino do São Paulo. Em 1962, Aimoré Moreira assumiu em cima da hora (Feola ficou doente) e o melhor técnico da família era o irmão Zezé. A despeito do trabalho ousado em 1970 (bem mais que nas décadas seguintes), Zagallo estava começando a carreira. Em 1994, qualquer um sabia que os melhores do Brasil eram Telê Santana e Vanderlei Luxemburgo. Apenas em 2002 se pode cogitar que nosso melhor técnico do momento foi campeão. Ainda assim, sob intensas controvérsias quanto a tal status. Controvérsias que só aumentaram mais adiante, por sete motivos óbvios.
Se superarmos a equivocada necessidade de o Brasil ter o top para ser top, poderemos ver que Jorge Jesus no Flamengo é o melhor para o Flamengo e também para a seleção brasileira. Tal como o São Paulo de Telê, o rubro-negro pode puxar a modernização dos outros times – a não ser que prefiram ver o adversário desfilando por anos. Com isso, mais jogadores seriam preparados sob conceitos similares. Poderiam se juntar aos que atuam na Europa sob estes mesmos moldes. Quem estiver treinando a seleção teria a missão bem facilitada de combinar os convocados entre si. Por outro lado, com ele saindo do clube, a tendência seria nossos times seguirem com o ritmo insuportável (no péssimo sentido), facilmente dominado por clubes grandes e até médios da Europa. Levar jogador mal-acostumado a uma Copa é suicídio moral.
“Ah, mas Jesus arrumou o Flamengo em pouquíssimo tempo!”. Errado, relativamente falando. Foram semanas da pausa da Copa América e mais um mês de ajustes com os jogos, até começar a dar estabilidade ao Flamengo. A sequência de treinos intensos e jogos ajudou a memorizar o que foi treinado. Este lapso é uma eternidade comparado ao que enfrenta um treinador de seleção brasileira que ainda sofre com amistosos meia-boca contra times repetidos. É evidente que a chance de fazer a diferença está nos clubes. O futebol brasileiro precisa de Jorge Jesus no Flamengo. E precisa de outros treinadores como ele nos demais clubes. É isso, não sonhar com mágica, que fortaleceria nosso futebol. Com camisa amarela e tudo.