Créditos da imagem: Werther Santana
Quanto vale o show?
A questão do preço dos ingressos tem tomado conta de programas de TV e das redes sociais. Será que os clubes exploram seus torcedores? Será que os torcedores estão dispostos a pagar menos para ver jogos menos interessantes? Como tem sido o comportamento do torcedor de maneira consolidada? Me parece que há espaço para melhorias, mas existem entraves e amarras que precisam ser quebrados, bem como é fundamental que todos desçam dos palanques e tentem entender a dinâmica operacional do tema e a realidade dos preços.
Já mostrei num estudo recente que o preço médio dos ingressos no Brasil não é substancialmente mais caro hoje do que há 20 ou 30 anos. Mas ainda assim, dado alguns clubes praticarem preços mais elevados, fica sempre em voga o debate sobre preço.
Pois bem, precisamos contextualizar o assunto. Primeiro, as discussões costumam se limitar aos preços de jogos de Corinthians e Flamengo. Raramente vejo estes debates acalorados em jogos de outros clubes. Parte-se da premissa de que estes clubes detém o monopólio da torcida de baixa renda. Naturalmente que isto é um erro estatístico. Geralmente as torcidas possuem componentes de todas as camadas sociais.
Um comparativo entre os clubes de São Paulo referente ao Público do Campeonato Brasileiro de 2017 mostra o seguinte:
Enquanto o Corinthians e sua suposta torcida do povo teve ocupação média de 84%, com 40 mil espectadores por partida – 90% deles vindo dos programas de sócio torcedor – e ticket médio de R$ 57,59, o São Paulo, considerado de elite por muito, ocupou apenas 63% do estádio, mesmo com ticket médio de R$ 25,62 (44% do valor cobrado pelo Corinthians) e levou cerca de 36 mil torcedores por jogo. Com um detalhe: apenas 13% eram sócios torcedores.
Mas vamos a mais uma contextualização: enquanto o Corinthians teve um campeonato vitorioso, o São Paulo brigou contra a zona de rebaixamento boa parte da competição, e a estratégia da Diretoria para chamar o torcedor foi de baixar o preço do ingresso. Sendo honesto intelectualmente, em 2016 o São Paulo apresentou ticket médio de R$ 21,87 com 35% de taxa de ocupação, enquanto o Corinthians, com desempenho apenas regular no campeonato, teve ticket médio de R$ 53,42 e 64% de ocupação. Logo, a questão que se coloca é econômica: a oferta de assentos está dada, mas a demanda dependerá sempre do desempenho em campo. Desta forma, a formação de preço depende justamente desse aspecto.
Além disso, há outros componentes que influenciam nesta conta: o primeiro deles são os programas de Sócio Torcedor, que travam o acesso do estádio prioritariamente a quem faz parte deles. Desta forma, os lugares mais baratos são automática e rapidamente ocupados por estes torcedores. Outro componente que dificulta a gestão é a impossibilidade de revenda de ingressos. Se os clubes pudessem receber ingressos de volta e recolocá-los à disposição, poderiam fazer promoções para trazer novos torcedores ao campo.
Agora, se por um lado os programas de sócios torcedores são importantes para garantir renda adicional aos clubes independente de presença em estádio, também dificultam as ações de gestão de preços para jogos menos interessantes. De qualquer forma, vamos analisar uma partida importante na Arena Corinthians em termos de distribuição de preços e disponibilidade de assentos. Trata-se da final do Campeonato Paulista de 2017.
Note que 18% do estádio naquela partida tinha ingresso a preço de R$ 30,74 e que representava 3,3% do valor do salário mínimo. Mesmo o valor total representou 6,5% do salário mínimo, na média. Para termos uma medida de comparação, a final do Campeonato Paulista de 1995 teve preço médio que representava 9,9% do salário mínimo daquele ano. Observe que apenas 11% da Arena Corinthians teve ingresso proporcional ao salário mínimo superior à final de 1995.
Agora, isto significa que é impossível fazer ainda mais? Não. Um dos objetivos e desafios dos gestores de estádios, seja de futebol, da NBA, da NFL, é o de encontrar o equilíbrio entre público e preço, para maximizar a receita, mas também a experiência do torcedor e a vibração da partida. O fato é que ao longo dos últimos anos, a média do Campeonato Brasileiro nunca se alterou de maneira relevante, conforme a tabela abaixo, mesmo com preços flutuando no tempo.
Veja que em 2013 os ingressos tiveram crescimento real de 23%, ano em que o público médio cresceu 15%. Mas quando comparamos 2013 a 2017, vemos que o valor do ticket médio sofreu redução de 19% mas o público médio aumentou apenas 6%. Ou seja, não dá para garantir que preços menores signifiquem mais público.
Fazendo uma análise de 2018, no Campeonato Carioca o Flamengo teve público médio de 9.439 pagantes, com ticket médio de R$ 31,00 (no Brasileiro de 2017, a média foi de 14.680 para R$ 47,60 de ticket médio). Ou seja, mesmo com ingressos bem mais baratos, o público não compareceu. “Ah, mas era o Campeonato Carioca”. Torcedor que acompanha seu time e quer vê-lo de perto não deveria escolher partida. Oferta e demanda. Um minuto numa rede de TV com alcance de 30 pontos no ibope é substancialmente maior que o de outra que dá 1 ponto. Mesmo que a TV de 1 ponto tenha uma programação muito mais qualificada.
Para finalizar o tema, volto ao início do artigo. Não dá para “fulanizar” a discussão sobre preço tratando apenas de Flamengo e Corinthians. Parece um tanto pessoal esta questão, quando na prática o futebol, se é um “ativo do povo”, precisa ser tratado, avaliado e questionado de maneira consolidada. De qualquer maneira, como já citei, o ideal é buscar um equilíbrio, sem criar celeumas e desgastes, mas buscando soluções que atendam a todas as características de uma partida de futebol.
Esclarecedor!!!!! O ideal ia ser que o sócio-torcedor só pudesse comprar os ingressos até determinado tempo antes de partida, depois disso eles poderiam ir para uma espécie de cadastro popular com vendas em cima da hora e a preços baixos!!!!!!
É maravilhoso ver esse assunto tratado com a maturidade e a objetividade que trituram o falácia de quem só investe em “narrativas”.
Quem trata como se o preço dos ingressos fosse o favor primordial para estádios não lotados deve inventar algum contorcionismo qualquer para justificar que, na época em que os ingressos “tinham o custo que deviam ter” (na narrativa deles, claro), a média de público não era muito diferente da de agora. E que os casos de Corinthians e Palmeiras, consistentemente próximos do limite de capacidade do estádio, faça chuva ou faça sol, são praticamente inéditos por aqui…
Qual a fonte dos dados analisados? Pergunto isso pois existe uma diferença entre 10 e 15% nos números de público e renda que são divulgados normalmente pelos promotores dos jogos e pela mídia.
Olhando as partidas individualmente, esta diferença, às vezes, chega a mais de 20%.
Aproveito para perguntar também: qual a fonte para a capacidade dos estádios usada para calcular a taxa de ocupação?
Felipe Ferreira
Há alguns aspectos que precisam ser considerados. Primeiro, nenhum clube fez ou faz verdadeira pesquisa de seu quadro associativo, torcedores. Não fazem a menor ideia dos perfis, interesses do seu público alvo, algo primordial em qualquer segmento. Segundo, se analisarmos, de maneira comparativa, a relação valor dos ingressos, sejam eles Seasons tickets, sócios torcedores, com o salário mínimo de diferentes países, o maior índice, mas disparado, é o Brasil.
Como em tudo no esporte, há muita subjetividade, muita decisão sem qualquer embasamento, decisões amadoras.
Felipe Ferreira você tem razão sobre o total desconhecimento dos clubes em relação a seus torcedores. Não tem a menor noção, a despeito de terem inúneras ferramentas à disposição para conhecê-los e avaliá-los. Mais uma entre tantas deficiências.
Sobre a questão do salário mínimo, a grande maioria das comparações entre valores de bens e serviços no Brasil em relação ao SM será desfavorável ao país. Fiz uma conta simples comparando o preço de um Civic Americano com o SM do país e deu 14x. Comparando um Uno com nosso SM dá 30x. Há muito mais coisas erradas que apenas o preço do ingresso.
Cesar Grafietti , justamente! Há tantas ferramentas, ações, estratégias e planejamentos que podem ser implantados, mas a falta de conhecimento, atrelado a falta de vontade e interesse, decisões amadoras e subjetivas, impedem, infelizmente.
O pior é que não é necessário, sequer, inventar a roda. Podem se utilizar de Benchmarking, de modelos bem sucedidos.
Os esportes americanos e clubes europeus utilizam ferramentas que passam completas informações.
Eu acho a análise interessante, e certamente válida. Mas fazer a comparação da variação do preço do ingresso com o salário mínimo, embora tenha lógica, pode ser bem enganosa. Eu nem pesquisei aqui, falo de memória, mas se não me engano em 95 o salário mínimo não chegava a 100 dólares. Sei que é difícil fazer essa análise sem usar um padrão mais fixo, e o dólar, nesse sentido pode ser até pior que o salário mínimo, mas acho que dá pra fazer com a renda média não?
Pq assim, eu tenho 40 anos, e vc pode me provar o contrário, mas ir ao estádio em 90 não era um programa caro. Hj é. E eu não empobreci…
Sei lá, sei que sua ideia é questionar esse senso comum, mas como eu tb sou pesquisador, acho que temos sempre que desconfiar (positivamente) das impressões gerais. O sentimento de que ir ao estádio está mais caro e que o futebol elitizou e quase unânime por quem frequentou estádios em 90 e continua a fazê-lo. Custo a crer que estejamos errados…
De qq forma Parabéns pelo texto e pela disposição de questionar as “verdades” estabelecidas sem questionamento.
abs