Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
De tempos em tempos o futebol brasileiro mostra alguma competitividade em termos de capacidade de contratação de atletas que atuam no mercado europeu. É legal vermos clubes nacionais importando atletas que só vemos através da TV, e isso engrandece o futebol local.
Bem, mais ou menos. Nem todos esses atletas chegam ao Brasil com a mesma capacidade técnica que os levaram à Europa, ou muitas vezes são atletas de bom nível para o futebol brasileiro, mas seriam apenas jogadores de clubes médios nas maiores ligas.
Vamos lembrar sempre de uma premissa básica: nem todos os atletas que estão na Europa são os melhores do planeta, mas todos os melhores estão na Europa. Só deixa o Velho Continente aquele que quer, e geralmente porque não tem mais mercado em clubes de ponta.
Obviamente que há muitos atletas de qualidade duvidosa até em clubes grandes, imagine nos menores. Restrições por nacionalidade, atender interesse e pedido de agentes, facilidade por ter dupla nacionalidade. Tudo isso faz parte da relação de motivos para não termos apenas os melhores na Europa, e por vezes vermos que atletas que jogam no Brasil poderiam tranquilamente disputar ligas europeias. Provavelmente não nos times grandes, mas claramente na segunda metade da tabela.
Além de tudo isso ainda existem outros dois aspectos importantes: Adaptação e Idade.
Nem todos se adaptam às cidades, aos países, ao frio, ao calor, à distância, e também à forma de jogo. Cada país tem um jeito diferente de jogar e, diferentemente do que pensam aqueles analistas de boteco, não é uma questão de receber a camisa e sair correndo atrás da bola. O futebol não é todo igual.
Quando falei recentemente sobre o retorno de Gerson ao Flamengo, muitos torcedores me criticaram e disseram que o Marseille estava sofrendo com o atual treinador (Tudor). Pois bem, o Olympique de Marseille é vice-líder do Francês, próximo ao PSG, fez alterações no elenco e está jogando bem. Mas as pessoas acompanham futebol pelo Zap do influenciador-torcedor e não pelo acompanhamento sistemático do jogo.
Quando passei a atuar como consultor para clubes e investidores decidi que precisava estudar o negócio, que basicamente é o jogo. Além de aulas e cursos, converso com muita gente que entende mais que eu, e acompanho muitos campeonatos e jogos. Não me torna um especialista – longe disso! – mas me aproxima da atividade com a qual trabalho.
Dito isso, a ideia aqui é verificar o quão competitivos são os clubes brasileiros em termos de capacidade de aquisição de atletas europeus, ou para competir com os principais clubes em termos de possibilidade de pagar salários equivalentes.
Vamos comparar então as receitas apresentadas pelo Deloitte Money League, que traz as 30 maiores da Europa em termos “recorrentes”, ou seja, sem considerar a negociação de atletas, com as 15 maiores receitas do Brasil, sempre em euros.
Antes dos dados, vale lembrar uma coisa: o número de receita é uma referência, apenas. Muitos clubes utilizam quase 90% apenas para o futebol, outros precisam pagar conta de outras modalidades, precisam pagar dívidas, bancar os custos de clubes sociais deficitários. Logo, 100 de um clube sem dívidas e que só faz futebol geram maior capacidade de investimento que 100 de outro clube que tem inúmeras obrigações além do futebol.
A tabela comparativa é a seguinte:
Não estou preocupado com os nomes, mas com os números. Em verde são os clubes brasileiros. Os valores em reais foram convertidos pelos euros médios de cada ano.
Para fins de análise da capacidade competitiva a partir das receitas, e ressalvados os pontos citados anteriormente, considerei que os clubes brasileiros podem ser competitivos com clubes europeus que têm receita até 30% maior que a dos brasileiros. Ou seja, estiquei bem a corda.
Note que, nos melhores momentos, apenas dois ou três clubes brasileiros são competitivos em termos de receitas, e geralmente limitados ao 20º clube da lista. Em alguns anos ficamos abaixo do 30º, lembrando que entre o 30º europeu e o 1º brasileiro existem dezenas de clubes não listados.
Isto significa que a negociação de atletas é fundamental para aumentar a capacidade de investimento dos clubes brasileiros. E daí vem o segundo ponto importante nas contratações feitas por europeus: a idade. Cada vez mais os clubes optam por atletas jovens, seja porque precisam ser lapidados nas estruturas locais, o que aumenta a chance de adaptação, seja porque é possível manter o atleta por mais tempo nos clubes. Tanto é que o Chelsea passou a usar uma brecha na lei e aumentou o tempo de contrato dos habituais 5 anos para até 8 anos.
Mas mesmo a venda de atletas não é exclusividade brasileira. Os clubes europeus também usam desse instrumento para aumentar suas receitas e reciclar seu elenco. Na temporada passada o Real Madrid vendeu mais de € 100 milhões em atletas. Clubes franceses fazem mais de 40% das receitas com negociações, e há casos como Sevilla, Atalanta, Benfica, Porto, que usam dessa estratégia para serem competitivos.
Logo, exceto por uma grande eficiência de gestão, que tenha custos nas mãos, que seja inteligente na contratação e formação de elenco, os clubes brasileiros só conseguem ser competitivos em termos financeiros com clubes médios europeus. Isto significa ter acesso a atletas que não chegaram ao topo do futebol mundial, mas podem ser extremamente importantes numa competição difícil como o Campeonato Brasileiro.
O Union Berlin está incomodando o Bayern, o Marseille está incomodando o PSG, o Napoli vai desbancar os 3 grandes italianos, a Real Sociedad está incomodando o Atlético de Madrid. Os clubes brasileiros apenas precisam ter cuidados para não caírem na armadilha de contratarem nomes, quando deveriam contratar funções. Nem todos que vêm da Europa vão “deitar” no Brasileirão, porque já estão em fim de carreira, porque a adaptação não é fácil. E como o dinheiro é pouco, saber usá-lo é fundamental.