Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Uma das grandes fontes de receitas dos clubes europeus é a bilheteria. Para muitos isso se chama “matchday”, e o conceito é somar todo o gasto que o torcedor faz com a ida aos jogos, ou seja, do ingresso ao bar, passando pelo museu e pela lojinha.
Nem todo lugar é assim. Aliás, é curioso quando falamos em “futebol europeu” e colocamos todos os clubes no mesmo saco, medindo-os sob a mesma régua de Real Madrid, Manchester United e Bayern. Assim como há diversas categorias de clubes brasileiros, existem diversos “futebóis” europeus. Se excluir uma certa elite de 20 clubes, e mais uns 20 ou 25 que estão em transformação e já saíram da idade da pedra, todo o resto é ainda muito amador, ou algo perto disso. Confie no que estou dizendo.
De gestão feita de maneira espartana a controles feitos por estagiários no Excel, há de tudo. E em clubes de todas as divisões e das grandes ligas. Obviamente, quanto mais perto da elite, maior a necessidade de profissionalização, e maior o investimento em pessoas, sistemas e controles.
Quando comparamos clubes médios europeus com clubes médios brasileiros, há uma diferença dramática: os europeus trabalham de forma enxuta, enquanto a maioria dos brasileiros é uma grande ação entre amigos. Clubes de donos, que precisam buscar eficiência fora de campo para serem mais competitivos em campo, versus associações que precisam cuidar da política antes do futebol.
Se de um lado é mais complexo separar política de gestão, o que nos leva a clubes cujo futebol é o carro-chefe a sustentar estruturas imensas do clube social, na Europa o que vemos é o funcionário bater escanteio e correr para cabecear.
Convenhamos, nem tanto ao céu, nem tanto à terra. A única diferença é que na Europa, se os pagamentos atrasarem o clube é punido, enquanto no Brasil ainda vivemos a idade da gastança sem freio. Calma, que um dia corrigiremos isso.
Estava aqui pensando por que dei essa volta toda a partir da ideia do matchday, e lembrei que isso veio porque vi a arrecadação do Milan na partida contra o Tottenham pela Champions Legue. Foram mais de € 9 milhões, com 71 mil espectadores em San Siro. Belíssima receita, uma das maiores, se não a maior receita de um clube italiano numa competição continental. E isso ainda com o clube após muitas críticas pelo fraco desempenho na Serie A, mesmo após a conquista do Scudetto de 21/22.
O Milan faz parte daquela seleta lista de clubes organizados na Europa. Na Champions League desta temporada, nas quatro partidas feitas em casa conseguiu levar uma média de 70.739 torcedores por jogo, faturando € 23,5 milhões. São R$ 131 milhões apenas em 4 jogos. E o estádio de San Siro sofre duras críticas porque é lindo, mas ultrapassado. As receitas são basicamente de ingressos, especialmente porque fora do estádio é possível comer um bom panino com prosciutto crudo e mozzarela de búfala e beber um copo de meio litro de cerveja por € 10,00. Parece caro? Um ingresso médio de Champions League custa cerca de € 83,00.
Ter um estádio moderno e capaz de oferecer conforto e opções de hospitalidade aos torcedores leva esse gasto de fora para dentro do estádio. Podemos pensar no aspecto social – o que fariam os donos de lanchonetes que vendem os tais paninos? – mas para os clubes é dinheiro que fica fora do caixa.
Mas o efeito não é apenas na Champions League. Até o momento na Serie A, após 11 partidas, o clube milanês levou 794 mil espectadores ao estádio, numa média de 72.186 pessoas, arrecadando € 30,1 milhões, ou R$ 169 milhões. O ticket médio é mais baixo, na casa dos € 38,00, mas ainda assim, apenas de bilheteria o ex-clube de Kaká, Roque Jr e Serginho faturou nesta temporada R$ 300 milhões em 14 partidas. É mais do que a maior parte dos clubes brasileiros fatura num ano com todas as receitas somadas.
O que chama atenção é que o clube é 5º colocado na competição italiana, a cerca de 10 pontos do líder, e ainda assim consegue lotar o estádio. E sonha em ir longe na Champions League, mesmo que seus torcedores sejam conscientes o suficiente para saber que o título é um sonho distante.
Com isso tudo o Milan ainda figura apenas entre as 25 maiores receitas do futebol mundial, distante dos gigantes da qual faz parte historicamente, mas que há anos não justifica a categorização em campo. Mesmo sendo um clube organizado. E ainda assim anima seu torcedor a levar mais de 70 mil ao estádio.
Uma boa dose de segurança, pois ir ao estádio de San Siro é um programa bastante tranquilo; uma boa dose de facilidade, afinal os ingressos são comprados online e o metrô para a alguns minutos da porta do estádio; e uma enorme dose de paixão explicam isso. Vale para o Milan, mas para quase todas as grandes equipes europeias.
Daí olhamos para o Brasil e vemos que a presença de público tem sido bastante relevante nos estádios para os clubes grandes, e jogando os estaduais. Mesmo que a gestão seja caótica, que a segurança seja quase nenhuma – quem manda em quem mesmo? – que o acesso muitas vezes ainda seja um caos. Isso só mostra que temos um mercado imenso a ser explorado – e não no sentido de ser consumido, mas de ser aproveitado num relacionamento saudável – com imensa paixão, e mesmo que na maior parte das vezes as partidas sejam apenas ruins.
Ou seja, não falta mercado, não falta paixão, não falta vontade. Mas ainda assim nossos clubes se atropelam e se enrolam em coisas fáceis, em gastos inócuos, infrutíferos, exagerados, pouco inteligentes, que levam aos tradicionais atrasos, falta de pagamentos e àquela bola de neve que cresce e se transforma num problema insolúvel.
Não falta muito para termos um produto melhor, especialmente porque temos o mais importante: a paixão. Está na hora de passarmos a trabalhá-la de forma a favor do clube, o que significa trabalhar a favor do torcedor.