Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
“O resultado foi muito melhor que a atuação”. Este é o resumo de diversas vitórias da maioria esmagadora de times na temporada brasileira, ao lado de “time X faz dois tempos muito distintos”. Não se trata de preguiça de quem redige as resenhas. É simplesmente o retrato do campo. No quarto mês de futebol, a irregularidade das equipes é tal que, inclusive nos jogos internacionais, ganhar jogando bem se tornou artigo de luxo. Não é que uma equipe foi melhor. Foi menos ruim ou, atuando tão mal quanto a outra, teve mais sorte – incluindo erro da arbitragem ou do VAR.
Talvez não seja uma novidade. O nível dos campeonatos estaduais vem sendo, há muito tempo, tão baixo que nem como pré-temporada estes servem. Na verdade, são mais fontes de desgaste e lesões, que propriamente de lapidação tática e técnica. Mais mentalmente cansados que preparados, quase todos os times começam o Brasileirão perto da estaca zero, tendo que “crescer durante a competição” – outro clássico da biblioteca de clichês. Na Libertadores a história não é outra, até porque o nível do continente despenca. Mesmo assim, vimos o campeão carioca conseguindo não se classificar para a fase de grupos e o clube empresa Bragantino ficando em último no seu grupo. Os líderes são mais detonados que elogiados após cada triunfo. Só o locutor João Guilherme consegue manter a empolgação – até porque não sabe fazer outra coisa.
O que parece ter mudado é o grau de indulgência. Era mais fácil tapar o sol com a peneira. Hoje há constrangimento quando alguém contemporiza ou impõe palavras de ordem pachequistas – como ‘ninguém fala nada quando um jogo de fora é ruim!’. Existem ruins e ruins. O acesso a mais partidas internacionais deixa o ufanismo no vácuo. Já comentei que, em 2017, minhas colunas soavam polêmicas quando falavam que o futebol era o único esporte em que o card preliminar (jogos nacionais) passa depois do principal (competições europeias). Hoje nem os botequins se revoltam com a assertiva. Seja nos estádios, pela TV ou aplicativo, o público não compra a narrativa ufanista como há cinco anos. Isso torna o comentarista menos camarada. Não que ainda não enxergue “jogo bom” em peladas, mas de forma discreta e protocolar – para não espantar a audiência.
Outro ponto que contribui para a inconsistência é que, ao contrário do convicto atraso pré-Jorges (Jesus e Sampaoli), quase todos tentam se modernizar. Zaga mais adiantada, perde-pressiona e saída de bola substituem chutões, disputas pela segunda bola e zagueiros plantados na área. Mas querer não é poder. Nem todos têm método para executar os conceitos. Mesmo quem possui o know-how esbarra em dois obstáculos: falta de pé de obra habituado e ausência de tempo para ajustes. Um time brasileiro joga de dez a quinze partidas a mais, em média, que um europeu. Isso equivale a um ou dois meses, reduzindo a quantidade de dias para treinamentos. O Flamengo de 2019 (com quatro dos cinco jogadores de defesa acostumados ao jogo europeu) não é a regra. Esperar que todos se resolvam rapidamente é desconhecer a realidade prática.
Não surpreende, assim, que a exceção da vez seja o Palmeiras. Com quase dois anos de clube, enfim Abel Ferreira produz clara diferença de padrão. Tal como outros portugueses de clubes pequenos ou médios na Europa, viu no Brasil uma espécie de laboratório para rumos além do jogo reativo. Contando com um clube estruturado que lhe dá o que pede, obteve uma evolução gradativa que agora se torna evidente. Hoje o palmeirense é o torcedor com mais chances de ver o time jogar bem e ganhar ao mesmo tempo. Não quer dizer que será campeão, mas é mais favorito que nos outros anos. Especialmente se os adversários se resignarem com vitórias sofríveis o ano todo. O primeiro da classe agradecerá.