Créditos da imagem: Giuseppe Cacace / AFP
Não vou dar nomes, mas um amigo que vive na Europa veio passar uns dias no Brasil. Após assistir à decisão do Mundial de Clubes, revelou que seu filho fez a seguinte pergunta: os comentaristas da partida assistem ao futebol europeu? Até um pré-adolescente de fora percebe o quão divorciados os comentários nacionais foram da realidade. Isso com 99 % das partidas acessíveis na televisão ou streamings legalizados. Ignoram porque não querem. Dá trabalho. O estagiário da emissora que se vire vendo e anotando algumas coisas para que pareçam por dentro. No fim, ainda deve levar a culpa por cada bola fora.
No caso da final de sábado passado, a fase difícil do Chelsea trouxe esperanças aos policarpos contra a hegemonia europeia. O clímax foi o confronto com o Plymouth pela FA Cup. O time da terceira divisão quase levou a disputa às penalidades. Curiosamente, os números do Palmeiras viriam a ser idênticos (posse de bola e número de finalizações) ou inferiores (chances claras e bolas no gol) que o do Plymouth – na casa do Chelsea. Mas voltemos ao pré-jogo. Na onda da esperança, também bombada pela quebra do tabu na Copa SP, o Grupo Bandeirantes escalou as equipes de suas emissoras apenas com palmeirenses ou notoriamente não-corintianos. Como se o público fosse boicotar os canais com transmissão exclusiva. Rafael Oliveira, único inteirado com o futebol europeu, ficou relegado à disputa do terceiro lugar. A prioridade era gritar “dá-lhe, porco!”.
Na fúria otimista, não faltaram pérolas como dizer que o zagueiro Rüdiger era limitado e cintura dura. Provavelmente leram o nome e concluíram que, sendo alemão, só poderia ter estes predicados. Mas o zagueiro não tem ancestralidade germânica, como fala por si a fotografia. É tão negro quanto o belga Lukaku, outro que também não escapou de ter a técnica desmerecida – mesmo após o que fez contra o Brasil na Rússia. A situação chegou ao ponto de, misturando alhos com bugalhos, uma jornalista de grupo concorrente acusar de racismo o autor dos comentários. Com ou sem lacradas, o objetivo dos estereótipos preguiçosos era fazer acreditar no velho pacote: a arrogância europeia, que dá de ombros para o mundo, seria punida por jogadores tão bons e tão bem preparados quanto os do Chelsea. Afinal, o infalível Abel Ferreira estava lá.
Mas Abel não é europeu? Pois é. Num curioso paradoxo, o treinador luso ganhou contornos míticos. Não importa que, na Libertadores, a classificação contra o Atlético-MG muito se deveu a um pênalti perdido. Nem que, já no segundo tempo em Montevideu, o Palmeiras fosse dominado até o erro hecatômbico de Andreas Pereira. Não foi tão diferente contra o time inglês. O plano também durava 45 minutos. O Chelsea começou o segundo tempo sufocando, fez o gol e caminhava tranquilamente até o pênalti tosco de Thiago Silva. Foram quinze minutos de moral para o time brasileiro. Mesmo assim, um goleiro de fim de semana teria feito o mesmo que Mendy. Passado este lapso, a equipe de Tuchel dominou tudo até o apito final. A chance palmeirense era a mesma do minúsculo Plymouth: levar até os pênaltis. Luan nos livrou de mais vinte minutos de pequenez exaltada.
Não foi este resumo óbvio que prevaleceu na crônica esportiva. Não apenas na Band. Jogando “de igual pra igual”, o Palmeiras “merecia sorte melhor”. Mais sorte do que já teve para chegar ao Mundial? E que raios de disputa equilibrada foi essa? Como já introduzimos acima, em Stamford Bridge o citado Plymouth teve três chances classificadas como claras. O Palmeiras só teve uma. “Ah, mas aquele passe que o Zé Rafael errou…”. Estamos falando de Zé Rafael, que já errou vários lances similares. Jogando no ritmo exigido por uma equipe da Premier League, surpreendente teria sido se acertasse. E como se os ingleses não tivessem errado outras oportunidades mais claras. Se algum time foi heroico contra o Chelsea, obviamente foi o de terceira divisão em Londres. Mesmo assim, seria muita forçada de barra dizer que o Plymouth merecia passar. Menos, bem menos.
É verdade, pois sim, que o Palmeiras tinha o estilo natural mais apto a provocar uma zebra histórica – é o que se tornou eventual vitória sul-americana. Mineiros e rubro-negros precisariam de uma transformação violenta para enfrentar uma equipe que os deixasse com 35 % de posse da bola. Ah, sim… Outra pérola foi dar a entender que poderia ter sido diferente se o time sul-americano buscasse atacar mais. Com uma bola imaginária? Querer não é poder. Os clubes europeus têm mais posse e cansam menos porque se posicionam melhor. Como aprender a fazer isso? Contratar treinadores europeus é um primeiro passo, mas apenas o primeiro de inúmeros. Sendo que, com um discípulo do superado Mourinho, até a largada é discutível. Nem tentem explicar isso aos comentaristas nacionais. Não ouviriam. Mandariam deixar recado com o estagiário.
Registre-se que esta crítica vale, inclusive, para boa parte dos que transmitem e comentam as competições internacionais. No máximo, uns quatro ou cinco procuram entender e aprender. O resto explora mesmo o coitado do estagiário. Resta saber se este ao menos ganha adicional de insalubridade. No caso, ao contrário do Palmeiras nas arábias, sem dúvida merece.
Obs: uma infecção urinária e, principalmente, uma Covid “leve” me deixaram longe das colunas nas últimas semanas. Priorizei – obviamente – o trabalho profissional e descansei mais. Estou de volta.
Realmente a distância do futebol europeu para o dos demais continentes é imensa. Além da melhor organização os clubes europeus são regados por muito dinheiro vindo de investidores de origens ‘diversas’. Mas diante dessas circunstâncias, acredito que o Palmeiras adotou a estratégia que podia ser feita. Atraindo e marcando forte o advesário e buscando o contragolpe quando tivesse a bola. E essa tática quase funcionou. Assim como o goleiro do Chelsea, Weverton não fez nenhuma defesa exepcional. Os contragolpes também ocorreram, mas pela qualidade das conclusões, ficou clara a deficiência do elenco palmeirense para um jogo desse nível.
[…] Campeonato mundial de bobagens – é (de novo) do Brasil!!!!!!!!By Gustavo Fernandes14/02/2022 […]
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