Créditos da imagem: Franck Fipe/Getty Images
Encerradas as tentativas do Barcelona para trazer Neymar de volta ao clube, é possível ressaltar como uma contratação vultosa e logicamente justificável (ao menos para jogador e contratante) conseguiu, em dois anos, dar errado para todos os envolvidos. Por responsabilidade de todos eles.
Vejamos as perspectivas da época:
Barcelona – perdia seu segundo principal jogador (o único a “encarnar o Messi” num grande momento, contra o próprio PSG)), mas com uma contrapartida que permitiria trazer pelo menos dois jogadores para suprir seu talento.
PSG – além do nome de peso que faltava para títulos maiores, ampliaria a exposição comercial no planeta, por meio do carisma de uma estrela em vias de desafiar o ex-colega Messi e Cristiano Ronaldo como referências ao público mundial. Uma mudança marcante e definitiva no panorama internacional.
Neymar – como protagonista absoluto, teria caminho livre para ser o destaque supremo da temporada 2017/2018. Jogar uma Liga mais fraca daria fôlego para os jogos internacionais e também para a seleção na Rússia. De quebra, satisfaria a obsessão nacional pelo Troféu da FIFA.
Eis, entretanto, o que aconteceu:
Barcelona – a notícia da bolada recebida por Neymar, combinada com o desespero por um substituto (a saída ocorreu pouco antes do fim da janela), fez com que todo interesse do clube por um jogador o supervalorizasse. Com isso, o promissor Dembélé veio por uma fortuna do Borussia Dortmund. Meses depois, foi a vez de Philippe Coutinho encher os cofres vermelhos. A soma de ambas as contratações superou o valor ganho com Neymar. Já a soma de desempenhos não valeu nem seu par de chuteiras. A começar, porque o plano de Coutinho substituir Iniesta logo naufragou, de modo que o brasileiro e o francês disputaram a mesma vaga (ou seja: mais de cem milhões de euros no banco). No fim, por razões diversas, os dois caíram em desgraça e o clube gastou outra bolada com Griezmann. Neste meio tempo, duas eliminações traumáticas na Champions League.
PSG – além de outras duas quedas em oitavas de final da Champions League (a última em casa), o clube não obteve o retorno de mídia dado como certo. Não apenas porque os resultados seguiram restritos ao futebol local, mas também porque a forma amadora de lidar com questões simples (como quem cobraria pênaltis) reforçou a impressão já existente: um time médio servindo de brinquedo a um bilionário excêntrico. Trazer o enganador poliglota Leonardo como diretor não deve ajudar a reverter este quadro. Também não imaginavam a queda de prestígio de Neymar, motivo de chacota por suas dramatizações em solo russo. Com seu astro encolhendo mundialmente, o proveito econômico ganhou contornos modestos. Só não foi pior por causa de Mbappé, a sensação do bicampeonato francês. Ainda assim, longe do estimado com o craque brasileiro.
Neymar – o desempenho em campo esteve longe de ser um problema. Problema foi o número de ocasiões longe do campo para mostrar desempenho. Até aí, por mais que se teorize que se lesiona por provocar muito, não foi culpa dele. Contudo, as ausências ampliaram a importância de Mbappé e colocaram em risco o protagonismo. Que não é uma questão de status moral, mas também tático. Normalmente só o centroavante e o principal jogador do ataque são dispensados de formar linha defensiva. Preterido, Neymar tem que marcar e correr mais. Algo que, no Barça, ele fazia até com gosto – afinal, o protagonista é inquestionável e seu amigo. No clube em que chegou para ser o cara, é bem menos agradável. Outro cenário inesperado foi o ambiente. Em Barcelona, seu comportamento juvenil é mais aceito (vide ídolos anteriores). Em Paris, a torcida não aprecia seu modo de “curtir a vida”.
Com os três lados infelizes com a prática, por que não deu negócio? Mais ou menos por isso:
Barcelona – falta de dinheiro, ante as contratações de Griezmann e De Jong, o que levou o clube a propor parcelamentos e inclusão de outros jogadores. Outro ponto, controvertido internamente, é que o problema fatal das últimas temporadas passou mais pela defesa, vulnerável contra abafas (especialmente do lado de Jordi Alba), que pelo ataque já reforçado com o ex-colchonero. Trazer Neymar forçaria o pouco brilhante Ernesto Valverde a bolar algo que seria difícil, em termos de equilíbrio tático, até para os melhores do gênero ofensivo.
PSG – por todo o valor que pagaram, não é simples assim cogitar a saída de Neymar sem uma temporada completa, sem lesões. Liberá-lo também teria o efeito indigesto de oficializar o clube como segundo escalão – o que ora se sugere pela recusa de outros nomes, incluindo o controvertido Dembélé, a atuar por lá. Ou seja: não é apenas ego do dono. Por outro lado, caso as desconfianças quanto ao tratamento da primeira fratura se confirmem com outra repetição, há o risco de o atleta se desvalorizar e perder pretendentes em 2020.
Neymar – nos bastidores, ele fez o que pôde para viabilizar a transferência. Deixou clara a preferência pelo ex-clube e até teria se oferecido para pagar por “pequena” parte do negócio. Mas havia limites para o esforço. Caso passasse a ser mais direto e forçar publicamente a saída, consolidaria mais ainda a fama de moleque mimado. A acusação (provavelmente) falsa de estupro fez com que o público voltasse a vê-lo com certa compaixão. Esta curiosa melhora de imagem sofreria novos danos com outro chilique.
Sendo assim, só resta a Neymar comprovar, de novo, seu grande futebol no Parque dos Príncipes. Uma temporada medíocre deixaria tudo ainda mais errado para os três. O Barcelona veria a oposição interna explodir e desistiria, a exemplo de outros clubes que andaram sondando o cenário – como Real Madrid e Juventus. O PSG veria seu mico se transformar em gorila. E Neymar, além de desprezado, perderia cadeira cativa até na seleção, Mais que para os outros, sua alternativa é única: fazer dar certo.