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Não leio todos os comentários a minhas colunas. Tanto por eventual falta de tempo quanto pelo fato de que há malcriados que não prestam atenção no conteúdo. Simplesmente procuram um gancho para postar o que acham de alguma coisa – não raro estranha ao tema do texto. Sequer deveriam ser chamados de leitores. Por outro lado, há comentários que respondo, mesmo que para seguir discordando. Um deles encarnou o que se denomina “pachequismo”, que culpa a influência europeia por tolher aquilo que “só o jogador brasileiro sabe fazer”. Pois chegou a minha vez de aproveitar um gancho e perguntar: por acaso o atleta Tadic é brasileiro? O passaporte sérvio seria falso?
Para quem não entendeu (ou fingiu não entender), estou me referindo à jogada do meio-campista do Ajax contra o Real Madrid, que resultou no segundo tento da goleada pela Champions League. Com o drible popularizado por Zidane (francês), desconcertou Casemiro e deu um passe milimétrico para David Neres tirar do goleiro e marcar. Mais adiante, ainda anotaria o terceiro gol com um chute de curva no ângulo. Tadic nem é considerado craque. Longe disso. Com 30 anos, o Ajax é seu modesto topo futebolístico. Modesto, porque não estamos nos anos 1970, ou no grande momento de 1995. Fez 61 partidas pela seleção sérvia, com 14 gols. Foi camisa 10 na Copa da Rússia, porém sem destaque. E sim, é capaz de lances antológicos. Provavelmente sem nunca ter sambado, comido feijoada ou assistido ao Domingão do Faustão no domingo. Sorte a dele.
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Haverá quem tente ver influência histórica brasileira. Talvez sim. Talvez não. Provavelmente não. O esporte nos países que compunham a Iugoslávia sempre teve talentos. Na mesma época em que Oscar Schmidt assustou Indianapolis, o melhor jogador de fora da NBA atendia pelo nome de Drazen Petrovic – sérvio como Todic. Já que estamos falando de arte no esporte, o grau de relação do futebol brasileiro com a Hungria de 1954 é zero – mesmo com o vice-campeonato na Copa anterior. Puskas pode ter jogado no estilo de Zizinho, mas não por causa dele. Assim como a Seleção Canarinho de 1982 não foi a gênese do Barcelona de 2011, por mais que encontrem semelhanças. E se Nilton Santos sempre deu graças aos Céus por nunca ter enfrentado Garrincha, não escapou de tomar baile do ponta inglês Stanley Matthews. Que tinha 41 anos. Os outros também jogam.
Claro que o futebol seria bem menos memorável sem o Brasil. É impossível negar o peso de cinco Copas, num tempo em que a Copa do Mundo era o ápice do grande futebol. Mas até uma eventual inexistência de Pelé, com todo o gigantismo que representou, não teria impedido o esporte bretão de ser o mais popular do mundo. Outras tantas lendas supririam seu papel, ainda que sem o mesmo brilho. Seguiria havendo dribles, chutes e passes a eternizar. Temos que nos orgulhar de tudo o que o país representa, mas é preciso entender o seguinte: uma coisa é possuir larga fatia do talento mundial; outra é o monopólio. Isso nunca tivemos e jamais teremos. Não há qualquer jogada que um brasileiro faça que não possa ser repetida por outros povos. Mais: grande parte destes lances sequer foi inventada aqui. Nós também copiamos.
O que pretendo com esta coluna? Promover o desânimo? Absolutamente. O objetivo é sempre dar passos adiante nos debates. Nada me deprime mais, quando o assunto é futebol, que ver uma pessoa orgulhosa por manter as mesmas opiniões durante décadas. Se realmente quisermos que o futebol brasileiro recupere importância, precisamos nos despir de ufanismos ao discuti-lo. Como a balela de que basta ter vontade, porque na técnica ninguém nos vence. Pode render curtidas nas redes sociais e nos botecos. Nem por isso estará perto de ser verdade. Contra brasileiro há quem possa, sim. Com direito a drible constrangedor.