Créditos da imagem: Ricardo Nogueira / Folhapress
Leio que, segundo a imprensa esportiva espanhola (não exatamente um exemplo), Neymar estaria tentando impor o clássico “quando jogador quer sair, ninguém segura”. Não é bem assim. Especialmente em países onde os contratos de atletas de futebol não incluem multas. A famosa sentença do caso Bosman, que ganhou força de Lei em toda a União Europeia, contemplou dois direitos: 1 – o de o atleta sem contrato mudar de clube sem nada ser devido ao clube anterior; 2 – o de o atleta de um país comunitário atuar em outro comunitário como se nacional fosse. Não há nada relativo à existência obrigatória de cláusula penal de contrato em vigor.
Sob tal contexto, as legislações dos países comunitários puderam ser mantidas. O que leva a cenários diferentes. Na Espanha, é obrigação legal incluir multa rescisória que, uma vez paga, permite a transferência do atleta. É também, como sabido, a norma no Brasil. Na França, bem como na Inglaterra, na Alemanha e na maioria dos países europeus, tal cláusula não é imperiosa. Normalmente, não existe. Ou seja: o atleta tem apenas o direito de jogar e receber no tempo contratado, sem número mágico para mudar de ares. Só sai se o clube aceitar. Mesmo perante uma proposta de um bilhão de euros ou libras. Foi esta a grande dificuldade do Barcelona para suprir a ausência de Neymar. Sem multa, Liverpool e Borussia salgaram os valores de Coutinho e Dembélé. Juntos, custaram mais que Neymar (que, por estar na Espanha, tinha multa fixa) ao PSG.
Poder-se-ia pensar que a FIFA, em seu dever de zelar pelo equilíbrio nas relações entre clubes, teria como impor unificação normativa determinando a presença de multa. É uma visão desavisada de quem acredita, sem fundamentos, que a FIFA tem poderes multinacionais ou até multiplanetários – Danilo Mironga, jocosamente, já escreveu que a FIFA exigiria a construção de mais dois anéis numa eventual Copa em Saturno. No mundo real, é apenas uma associação suíça* sem poder de interferir em normas trabalhistas de seu país, quanto mais de outros. Pode impor determinadas restrições a atletas inscritos, como vetar menores. Nada além disso. Portanto, quem assina contrato onde a multa não é obrigatória sabe, de cara, que em princípio terá que seguir no clube até o fim. Ao menos enquanto o clube não pensar diferente.
Para fazer com que valha a frase favorita de muitos comentaristas, resta ao atleta espernear. Cada vez mais literalmente. Tanto o jogador quanto seu staff, incluindo eventuais amigos na imprensa, começam a produzir fatos e factoides para tornar a relação profissional insustentável. Mas e se, como no filme “Como Perder um Homem em 10 Dias”, o clube pensar “tudo bem, eu te amo assim mesmo”? Mesmo porque não se trata de um mero relacionamento pessoal. Há, por vezes, centenas de milhões de euros envolvidos. Fora contratos derivados da presença do atleta. Assim, o “coraçãozinho” do clube pode ficar bem resistente. Ao contrário da namorada, o atleta não tem como partir pra outra. Pode não jogar, pode não treinar, mas arcando com todas as cláusulas disciplinares – que incluem possível afastamento. Nessas horas, “acreditar no amor” pode ser a única saída.
Neymar viveu os dois cenários. Em Barcelona, era pagar e se mandar. Em Paris, só se manda se o dono bilionário capitular e se contentar com a redução de prejuízos. Se forçar muito a barra, o PSG pode forçar a birra. Para complicar, o Barcelona enfrenta o dilema sobre o que fazer com seus sucessores, muito caros e prováveis reservas de Messi, Suárez e Griezmann. Se conseguir uma grande proposta por pelo menos um deles, é possível que cruze a fronteira com uma proposta razoável. Do contrário, Neymar nem sempre terá Paris, mas assim será até o fim do contrato. Não dá para dizer que desconhecia o risco de viver mais um tempo cercado de beleza – e croissants.
- é isso que significa o “Association” do nome FIFA. O nome do futebol é apenas… futebol, ao contrário do que preconizam certos jornalistas exagerados na defesa do jogo coletivo.
Nice