Créditos da imagem: Fernando Dantas/Gazeta Press
Precisamos falar sobre o São Paulo FC.
Mas antes devemos podar alguns galhos de forma a enxergar o horizonte de maneira mais clara. Não é uma questão de desmatamento, mas sim de retirar galhos secos, pontas mal formadas. Aliás, este é um dos aspectos que trouxe o clube a este Reloaded 11.0. Afinal, a cada ano de insucesso o clube cortou a árvore no lugar de simplesmente podar algumas pontas.
A versão 2018 do Clube da Fé já nasceu um tanto torta. Raí assumiu a Diretoria de Futebol no final de 2017, quando o clube já havia escapado do rebaixamento naquele ano e veio para reformular a equipe. Desde 2009 o são-paulino ouve essa mesma história: “estamos remodelando o clube para voltarmos mais fortes ano que vem”. Então vamos ver como foram os “anos que vem” mais recentes do clube:
Do último título em 2008 o clube apresentou bom desempenho em 3 ocasiões: 2009, ainda sob efeito do título anterior; 2014, sob efeito da presença de Kaká. Dá para ser bacana e dizer que em 2012 e 2015, com a 4ª posição, foram bons anos. Bons não; aceitáveis.
Nesse período o clube flertou com a Série B por pelo menos 3 vezes: 2013, 2016 e 2017. E tome reconstrução. No período foram 14 treinadores, mais de 1 por temporada. Casos como o de Paulo Autuori e Doriva, que ficaram poucos meses, e também as saídas de Osorio e Bauza, chamados por seleções.
Nem vou entrar na questão de atletas que passaram pelo clube. Mas vamos apenas tratar de valores envolvendo esses atletas:
Adicionamos a colocação final no Brasileiro e vemos que gastar mais nas aquisições não significa sucesso. Óbvio, porque contratação não é valor, nem quantidade; é qualidade. E qualidade se mede como sendo a contratação certa para a necessidade do elenco.
Em 2014 e 2015 os valores gastos ficaram abaixo da média e o desempenho foi bem melhor que nos dois últimos anos.
Então já temos dois aspectos históricos e que foram vistos neste 2018: treinador equivocado e contratações pouco efetivas. A partir daqui, trataremos de 2018.
Diego Aguirre
A carreira do treinador começou em 2002. Desde então, treinou 11 equipes, conquistando um título uruguaio logo em seu primeiro ano, um segundo uruguaio pelo mesmo Peñarol em 2010, e chegando a uma final de Libertadores. Conquistou outros 4 títulos no Qatar.
Desde 2015 trabalhou no Brasil, no Internacional e Atlético Mineiro, e no San Lorenzo da Argentina. Nos três casos deixou os clubes antes do final da temporada, o que se repete agora com o São Paulo. Em geral com as mesmas críticas: problemas internos, desempenho que cai ao longo do tempo e questionamentos quanto ao padrão de jogo, sempre o mesmo, o que denota pouca mobilidade tática. Ah! Escalações e mudanças que a torcida não entende.
Não entro aqui no mérito técnico, trata-se apenas de uma referência sobre o que se comenta em relação a Aguirre e que deveria ser levado em consideração quando se contrata um treinador. Ou seja, tome a decisão consciente disso.
Elenco
O São Paulo começou 2018 com Dorival Jr, e Raí contratando atletas experientes e lentos. Uma equipe claramente lenta. Nenê, Diego Souza, Trellez, Hudson, Valdívia, além do goleiro Jean. Alguns custaram um bom dinheiro. Ao longo do ano, após a chegada de Aguirre, trouxe Everton para dar a velocidade que o treinador queria, além de um lesionado Carneiro e João Rojas. E alguns até se foram, como Valdívia e Cueva.
Mas Nenê tinha histórico recente de queda de rendimento no 2º semestre, Diego Souza era instável em seus anos de Sport, e Everton – ótima contratação – tinha histórico de contusão no Flamengo. Questões importantes para se avaliar na hora da contratar alguém. Pode fazê-las, mas tenha ciência disso.
Ainda trouxe Bruno Peres para a vaga de Militão. Atleta jovem que volta da Europa normalmente é porque não está bem. Se estivesse, sairia para outro clube europeu. Esqueçam as exceções, pensem nas regras. E ainda teve Sidão, pois o novo titular não chegou em condições de assumir a posição.
Antes das críticas
Vamos aos fatos positivos: a escolha de Aguirre parece ter sido consciente e a remontagem do elenco ao longo do ano, com contratações e empréstimos ou vendas serviu para dar uma base que colocou o clube em boa posição no Campeonato Brasileiro. Fazia tempo que o São-paulino não ficava incomodado por não ser campeão, pois o costume recente era o de dizer que “time grande não cai”.
Inegável que Raí teve papel importante nisso. E foi importante que o São Paulo tenha sido lembrado, aplaudido e questionado na figura do seu Diretor de Futebol e não de seu presidente, que já mostrou não ser do ramo. Raí trouxe uma cara para o futebol do clube, longe da política.
Mas “grandes poderes exigem grande responsabilidade”, como já ouvia o Homem Aranha do mestre Stan Lee. No caso do futebol, “grandes conquistas exigem mais acertos que erros”.
E tem sempre um “mas”
A ressalva necessária é que se trata da primeira experiência profissional de Raí fora dos campos, efetivamente. E a realidade muitas vezes engole a teoria, assim como o boleiro do passado não é o boleiro de hoje, então domar o vestiário é por vezes uma tarefa mais dura do que parece.
Então Raí começou o ano com o treinador errado, montando um elenco errado e, por vezes, caro. Daí encontrou o treinador que lhe parecia correto, ajustou o elenco, mas ainda assim com carências importantes. E as histórias apontadas anteriormente foram se realizando como profecias: Aguirre se perdeu num padrão de jogo único e que ficou manjado e anulado, além de optar por escalações estranhas; Nenê viu seu rendimento cair, como em todos os segundos semestres recentes; Diego Souza manteve o histórico irregular; Everton se machucou; o elenco frágil ao ser apertado, entregou pontos.
Nenhuma novidade. A novidade, para todos os torcedores e analistas era justamente o São Paulo líder, ainda que com um futebol sofrido, difícil, com resultados suados. Você pode ser campeão de uma copa dessa forma, mas num campeonato longo é preciso mais que isso. É preciso planejamento, elenco, variações táticas.
A troca de Treinador
Mais um ponto positivo de Raí foi detectar que Aguirre não continuaria em 2019 e isso precipitou sua saída. Esqueçam a lenda de que treinador não pode ser demitido, que tem que finalizar o trabalho, que precisa de tempo. Lenda.
O Real Madrid fez aquela cena toda com Lopetegui na Copa do Mundo e demitiu o treinador rapidamente quando viu que seu jogo não fazia o time encaixar. O Palmeiras deve ser campeão brasileiro depois de trazer Felipão para o lugar de Roger.
O papel do gestor é entender o ambiente, avaliar desempenho, premiar qualidade e substituir o que não funciona. A qualquer tempo. Em qualquer empresa profissional é assim, porque no futebol não pode?
Se o problema é elenco, afaste o atleta. Se é o treinador, o demita.
Agora, também é inegável que em toda situação assim tem que sobrar a responsabilidade para quem contratou. No caso de uma entidade pública como o clube de futebol, cabe ao Diretor de Futebol vir a público e dizer porque trouxe, onde errou, onde acertou, por que demitiu.
Falta transparência, e não é só ao São Paulo de Raí. A todos os clubes, cujos dirigentes se escondem atrás de treinadores e elencos, a quem responsabilizam por tudo, exceto pelas vitórias.
Para 2019 – Reloaded 11.0
Quem sou eu para dar conselho a um profissional, especialmente ao Raí? Mas como dar conselho é de graça, aqui vou eu.
Primeira coisa é vir a público e dizer quem será o treinador e porquê. O que esperam desse treinador em termos de padrão de jogo, estrutura, modelos táticos.
Depois, montar um elenco que seja compatível com essas ideias. E isto significa desligar atletas que não cabem nesse perfil. O futebol tem um problema que é o do clube carregar até o final do contrato atletas que não desempenharam bem nos anos anteriores. Todos têm multa rescisória, logo, se não vai bem, deve sair. Atleta que não vai bem e está no elenco, um dia joga. É nesse dia que você lembra por que ele não jogava.
Para finalizar, qual a expectativa real. Porque o torcedor compra a ideia de que será preciso 2 ou 3 anos para se recuperar, ajustar o elenco, ganhar fôlego e voltar a ser competitivo. Mas precisa deixar claro, ser transparente. O que não pode é deixar a ideia de que o objetivo é ser campeão, mesmo quando sabidamente não há estrutura esportiva para isso.
Já escrevi aqui e repito: é lenda que temos 12 times candidatos ao título. São 2 ou 3. O Brasileiro agora afunila e temos 3 times mais próximos, com um que já disparou. A ideia de que será disputado até o final morre com o passar do campeonato e a necessidade de elenco forte e planejamento.
Que o São Paulo de Raí seja capaz de planejar e executar uma estratégia organizada e clara, sendo transparente nas avaliações e divulgações. O torcedor merece isso. Ou no final de 2019 teremos a sequência da série, com “Reloaded 12.0”.
PS: Dedico a coluna ao Gustavo Fernandes, com quem travo bons debates na busca da melhor forma de se avaliar o futebol. Parte das constatações vêm desses debates.