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Decisões questionáveis e demora incompreensível. Estas têm sido, não sem razão, as críticas mais contundentes ao uso do VAR. Especialmente na América do Sul. Mais especialmente ainda, no Brasil. Chega a parecer que existe uma campanha para provocar a desistência de seu uso. Mas a resposta provável é simples – falta de técnica combinada com mudanças mal delineadas nas regras. Este colunista, defensor assumido do VAR, enumera os problemas que vêm fazendo ele mesmo perder a paciência. São estes:
1 – uso do VAR em lances de pouca clareza – o árbitro de vídeo não foi criado para reverter todos os erros de arbitragem. Além da limitação de casos (basicamente pênalti, expulsão e confirmação de gol em suposto impedimento), existe a retirada das jogadas interpretativos. Mas o que significa “lance interpretativo”? É mais simples do que nossos comentaristas de arbitragem explicam. Trata-se da jogada em que a observação rápida não permite uma decisão imediata e incontroversa. Não sendo o caso (ou, pior ainda, sendo necessária a câmera lenta), segue o jogo.
Não é, evidentemente, o que tem acontecido em várias utilizações. Temos visto lances em que até o contato com o adversário ou com a bola requer minutos e minutos para ser constatado. Isso para ficar num caso. Bem diferente do que prevalece nos campeonatos europeus, em que a quantidade de interferências é visivelmente menor. Em resumo, o diálogo deveria ser assim:
Árbitro de vídeo – “temos imagens que vão fazer você rever o que marcou (ou deixou de marcar)!”
Árbitro de campo – “é só dar uma olhada pra perceber?”
Árbitro de vídeo – “Sim”.
Árbitro de campo – “OK” – e começa a performance do quadradinho.
2 – os minutos de holofotes – mesmo nas jogadas em que o uso do VAR se enquadra nos requisitos, tem havido um empecilho humano: o afã de mostrar a utilidade do que está fazendo. Sabendo que a TV está mostrando, os árbitros de vídeo carregam no gestual para parecer que estão selecionando imagens, as quais já deveriam ter escolhido antes de chamar o árbitro de campo. Do contrário, não deveriam nem ter iniciado o procedimento.
3 – socorro, tenho que decidir! – quando não havia o vídeo, árbitros erravam com menos remorso. Afinal, tinham a desculpa na ponta da língua: lance rápido, recursos precários, etc… Com o VAR, seguir errando se tornou prova de despreparo. A imagem do árbitro brasileiro suando frio, antes de marcar pênalti para a Argentina, fala por si. A lei informal das probabilidades humanas ensina que, quanto mais demorada uma decisão, maior a chance de ser sabotada pelo próprio raciocínio.
4 – as novas regras não ajudam – imaginem a seguinte hipótese: o time B está sendo atacado e, dentro de sua área, o zagueiro intercepta a bola num lance claro de bola na mão – que não é pênalti. Mas a jogada prossegue e, sem que o time A consiga retomar a bola, o time B chega ao gol. Pela mudança que veda o gol em qualquer situação de uso do braço ou mão, deveria ser marcado o pênalti que, na hora da interceptação, não existia. O que fazer? Ainda não aconteceu um lance assim na prática, mas não é tão improvável que ocorra. A trombada interpretativa será resultado de uma modificação interessante, porém lacunosa.
Se tal mudança segue carecendo de um caso concreto, o mesmo não se pode dizer do impedimento retirado por toque do adversário. Segundo a acepção atual, apenas o movimento de defesa deixa de zerar a jogada, tornando legal o posicionamento outrora irregular. O que seria tal movimento? Segundo informações obtidas no site da CBF, a bola deve estar indo na direção do gol ou estar muito próxima da meta. Na teoria já não é fácil entender. E se a bola estiver indo na direção do gol, mas em situação que não sugira perigo de entrar (passe errado sem força, por exemplo)? E se o chute não for na direção do gol, mas o defensor não tiver como saber? São diferenciações que já desafiam altas capacidades intelectuais (não necessariamente o colunista se coloca em tal rol). Considerando o padrão médio da arbitragem mundial, virou uma confusão pré-fabricada.
Neste cenário de dificuldade, com clara prevalência da interpretação, volta-se ao primeiro item para concluir que, neste tipo de apuração de impedimento, o VAR não deveria ser utilizado. Ao menos até que se aprimore a exceção da regra.
Conclusão – mesmo com a controvérsia das novas regras, as diretrizes do VAR são suficientes para evitar que o recurso se torne indesejado. A falha não é da máquina, mas da tecnologia cerebral de quem a usa. A arbitragem dos campeonatos em que ocorrem mais problemas dá causa a estes ao se desviar dos fundamentos da sua aplicação. Sob o triste incentivo de quem não entendeu nada até agora ou, tendo entendido, finge não compreender para manter um emprego sustentado em polêmicas inúteis.

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo, não resiste a um bom debate sobre esportes, de futebol a curling. São-paulino, é fundador e moderador do Fórum O Mais Querido (FOMQ). Não esperem ufanismos e clichês. Ele torce, mas não distorce.
Um comentário em: “VAR in South American Way”