Créditos da imagem: Montagem / No Ângulo
Voltamos ao tema do clube empresa no Brasil. Agora que o presidente do Senado é Rodrigo Pacheco, responsável por um dos projetos de lei que está em análise no Congresso, é possível que o tema evolua com mais rapidez.
Por conta disso os debates voltaram à imprensa e às redes. E, confesso, com um certo ar terraplanista. Respeitosamente, claro.
Vivemos um momento tão polarizado no país que até a discussão sobre este tema ganhou ares de disputa de vida ou morte. E debates assim nos levam a ver apenas nossas qualidades e os defeitos no oponente, que ganha ares de inimigo nesses momentos.
Daí vemos artigos querendo dizer que a final do Mundial de Clubes entre Bayern e Tigres foi a confirmação de que só o clube empresa salva. Infelizmente, no ano passado isso não foi verdade, pois o Flamengo é uma associação, e se tivéssemos Real Madrid ou Barcelona contra River Plate, Palmeiras, Grêmio ou Santos seria uma final 100% associativa! Bingo! O futebol precisa ser associativo!
Argumentos ruins dificultam os debates. É como dizer que os casos de clubes europeus que desapareceram porque os donos foram irresponsáveis mostra que todos os clubes empresa serão mal geridos e acabarão. Poderiam usar os exemplos de clubes que trocaram de dono e se recuperaram, de clubes que cresceram a partir de um dono que injetou dinheiro e gestão, como Leeds e Atalanta. Aliás, poderíamos listar todas as associações quebradas e dizer que associações sempre quebram. Bobagem absoluta.
E claro, sempre podem lembrar dos casos que deram errado, como Bahia, Vitória, Figueirense e Botafogo RP, sem ao menos ter a capacidade de entender que todo início tem erros e problemas, e ser pioneiro significa errar antes de acertar. Posso garantir que todos os casos tiveram problemas estruturais na origem, geralmente porque alguém não fez o dever de casa na estruturação das operações.
O debate sobre modelo societário deveria ser secundário. O que importa é a capacidade de gerir bem o clube, e isso passa por implementar processos de governança, definir um modelo de gestão no qual profissionais qualificados, E NÃO DIRIGENTES ABNEGADOS E AMADORES, estejam no comando, e que possam ser cobrados pela soma de resultados esportivos e financeiros.
Óbvio que é mais fácil fazer isso numa empresa que num ambiente político, mas não é impossível que um clube entenda a realidade e se ajuste. Não cabe esse determinismo, ainda que a cada eleição os clubes corram o risco de colocar processos de recuperação a perder.
A grande realidade é que precisamos de um marco regulatório para o futebol. Precisamos definir regras de controle externo como o Fair Play Financeiro, regras rígidas e prévias de capacidade financeira dos proprietários – o que inclui os presidentes das associações – que precisam ser responsabilizados além do capital social ou de estatutos que ninguém cumpre. Precisamos também de ações mais inteligentes por parte dos dirigentes, com a criação de uma liga que seja capaz de negociar coletivamente os direitos de TV, a publicidade, as ações gerais. Além disso, um novo modelo de relação trabalhista entre clubes e atletas, adaptada à realidade da atividade em 2021.
E dentro do marco regulatório é importante sim criar regras que permitam a coexistência de todos os modelos societários, com as mesmas regras fiscais (exceto IR/CS sobre lucro) de forma a garantir competitividade semelhante a todos. E basta!
Sem isso, falar em modelo societário como solução de alguma coisa é bobagem, assim como defender que só a associação salva também. Associações “modernas”, com votos dos “torcedores” mostram que no final é tudo político, todos se organizam em partidos, e abrem espaço para ações de partidos políticos reais e torcedores organizados. Um dia essa turma toma conta de um clube e os defensores terão que apagar seus posts nas redes sociais, ou comemorar com a bandeira partidária nas quadras de alguma escola de samba.
Ao mesmo tempo, precisamos ter clareza de uma coisa: como uma das necessidades dos clubes brasileiros é dinheiro, só o modelo corporativo é capaz de trazer dinheiro novo e rápido, porque o modelo associativo pode se resolver no longo prazo, mas o corporativo pode aportar dinheiro no curto.
Entretanto não significa que isso acontecerá, pois sem que haja a implantação de um marco regulatório eficiente não aparecerá o sheik árabe nem o bilionário russo com um monte de dinheiro nas mãos. Aliás, com as mudanças recentes no modelo de investimento chinês no futebol fora do país, os bilionários de lá deixaram de ser uma alternativa enquanto investidores.
Sem uma estrutura organizada como as que são vistas na Europa e nos EUA, não haverá investimento relevante no futebol brasileiro, ainda que possa ocorrer um caso aqui ou ali, como vemos no Red Bull Bragantino, ou em clubes menores e com empresários locais, como o Cuiabá. O mercado brasileiro é visto como de enorme potencial, mas também de enorme desconfiança.
Nos cursos de formação da CBF Academy falo sobre desafios dos modelos societários. Há sempre quem chega achando que me verá defendendo o modelo corporativo. Ledo engano. Defendo um modelo de indústria organizada, onde os clubes escolham seus caminhos societários e apresentem gestões bem estruturadas e eficientes.
Sem isso, o futebol brasileiro continuará definhando.