Créditos da imagem: Reprodução / SPFC TV
“Me ajuda a te ajudar” era a técnica do personagem Rocha, de Tropa de Elite. Como mencionou Danilo Mironga, resume a simbiose entre imprensa esportiva e clubes de futebol. Muitos veículos posam de independentes, mas não dispensam a linha editorial das boas novas. Manter o torcedor consumindo é prioridade, nem que verdades precisem sumir da edição – ou ser enterradas em datas ou seções invisíveis. Daniel Alves no SPFC era entusiasmo garantido. Sendo assim, cinco perguntinhas tiveram que ser sacrificadas em nome do torcedor feliz. Tristeza não dá Ibope – nem faturamento.
1 – quanto vai pagar?
Um clube brasileiro traz um jogador do futebol europeu, ainda com propostas para continuar na Europa. A primeira curiosidade básica seria óbvia. Ou não. No máximo, tivemos algumas especulações, sem que alguém fosse a fundo para descobrir o total da conta. A maior delas era de que Daniel ganharia um milhão e trezentos mil reais por mês, sem detalhes sobre luvas e a divisão entre salários e direitos de imagem – que, legalmente, já poderiam causar (se inadimplidos) a perda do atleta na Justiça. Hoje se sabe que Daniel “recebia” um milhão e quinhentos mil reais por mês. “Só” dois anos para descobrir.
2 – quem vai pagar?
Mesmo sendo público e notório que o SPFC não tinha dinheiro para bancar, a mídia se limitou a informar que metade dos pagamentos viria graças a um plano de marketing com investidores. Que plano? Que investidores? Não perguntaram nem na apresentação do atleta. Talvez tenham pensado “poxa, é o Raí! Bom sujeito, progressista! Claro que ele nunca colocaria o clube do coração numa roubada dessas. Deve haver uma cláusula de confidencialidade”. Pois é, criaram a figura do “investidor de marketing oculto”. Só confirmaram que os ocultos não existiam quando o próprio jogador reclamou disso em público.
3 – é realmente a maior?
Nos últimos dias, todas as mesas redondas ratificam Daniel Alves como a pior contratação da História tricolor. Bem o oposto da chegada. Malabarismos verbais o colocavam acima de nomes que também vieram consagrados ao Morumbi – ou Pacaembu, no caso de Leônidas da Silva. Usaram o número de conquistas (a imensa maioria como coadjuvante) e o prêmio de melhor jogador da Copa América de 2019 para dar contornos paquidérmicos a sua importância. Outra justificativa era que sua chegada seria um divisor de águas no ressurgimento dos títulos tricolores. Talvez se referissem aos títulos protestados.
4 – vai dar certo?
Nem décadas de experiência e precedentes escancarados ensinaram a desconfiar de algumas “certezas” no futebol. Nem a troca de posição, aos 36 anos, gerou questionamentos sobre o desempenho. Isso num clube que já tinha dificuldades em pagar em dia os demais jogadores. Não poderia criar um ambiente ruim? Não para os setoristas e comentaristas. Inclusive, aplaudiram seus palpites até na definição do técnico. Não perguntaram a Daniel o quanto realmente acompanhava os times de Fernando Diniz, a ponto de cravá-lo como “melhor treinador brasileiro”. Quem seriam eles para duvidar? Jornalistas?
5 – e se nada der certo?
Valores astronômicos, capacidade econômica reduzida, investidores desconhecidos, adaptação duvidosa a um novo posicionamento, colegas longe de arrancar suspiros e uma longa lista de fracassos (a serem ampliados com ele em campo) que nem as filhas de Juvenal ainda chamariam de “só uma fase”. Nem assim se anteviu o sombrio cenário tricolor, caso o otimismo compulsório não vingasse. Como dito no começo, era a “ditadura editorial”. De urubus, o público só queria saber do Flamengo, que tomou holofotes pelo resto de 2019 – o que, aliás, acabou com a chance de haver interessados tardios no “plano de marketing” tricolor.
Se tivesse a mínima noção do que estava acontecendo, nem o mais bobo alegre dos tricolores celebraria tamanha insanidade*. Lembrando que, além da omissão, houve matérias transformando a escapadinha de Raí em Paris (flagrado em Roland Garros) como “missão muito bem-sucedida” para convencer o atleta. Prometendo a Torre Eiffel, quem não conseguiria? Espero que uma bola fora tão monumental sirva para alguma autocrítica editorial. Mas espero sentado. Sentado e fazendo a minha parte. Seja aqui, seja no FOMQ. Pode não ser muito, mas no futuro saberão que nem todo mundo preferiu bancar o adestrador de hienas.
*Nem mesmo Belmiro Mironga, o primo muito tonto do Danilo e criador da pior paródia de “Despacito” já vista: “P… que pariu, que orgulho de ser são-paulino! Desde que eu sou menino! Este é o meu destino! São-paulino, como eu tenho orgulho de ser são-paulino, grito campeão desde que sou menino, ser um vencedor sempre foi meu destino!”.